Pensar em Deus na era da tecnociência

AUTORIA - Joan M. Gutiérrez Delgado
TRADUÇÃO LIVRE – Ammá Maria Ângela de Melo Nicolleti, NA
FONTE – www.es.catholic.net

EXISTE UMA NOVA CULTURA?

O filósofo italiano N. Galli acredita que o problema principal da sociedade atual é a decadência da "ética pública". Está ganhando, cada vez mais terreno, a "tese da absoluta autonomia do sujeito que se sente superior a todas as leis tradicionais e, além disso, cria as suas próprias", ajunta Galli.

Esta "ética tradicional" foi substituída por uma nova ética, segundo E. Poulat, "sem referência a uma tradição, sem tabus nem proibições, inspirada no direito do indivíduo e sua liberdade de decisão, governada por sua vez pelas relações e instituições que formam seu âmbito vital". E, segundo o filósofo L. Pati, esta nova ética "exalta o individualismo e a busca do gozo sexual, mais além de qualquer atenção à responsabilidade pessoal e social".

Esta "decadência da ética pública", constatada por Galli e por outros pensadores atuais, tem suas raízes profundas no pensamento cultural que se desenvolveu e se consolidou nos últimos 50 anos, um período no qual a ciência e a tecnologia foram exaltadas até a divinização.

É a afirmação explícita do conhecido filósofo E. Severino num jornal de opinião: "A ciência e a técnica estão destinadas a criar qualquer coisa que esteja acima da religião. Segundo a rejeição do Ocidente, o aparato científico-tecnológico é, em relação ao velho Deus, o novo remédio contra a dor". E, no título se lançava este slogan: "A TÉCNICA, O ÚLTIMO DEUS".

Portanto, é evidente a importância de se conhecer os principais elementos que constituem a base da cultura científico-técnica na qual vivemos hoje em dia. Estes elementos, assimilados quase sem que nos demos conta, têm um peso notável inclusive na estruturação da própria personalidade.

Por isso, é necessário realçar os seguintes pontos: os aspectos essenciais desta nova cultura que vai se impondo, as nefastas conseqüências que se estão manifestando, sobretudo, no âmbito da família, que é a célula fundamental da sociedade, dar o grande passo necessário para que se possa reconstruir esta "ética pública" que é garantia do verdadeiro bem estar social.

A TERCEIRA CULTURA

Sem nos darmos conta, estamos passando para uma "terceira cultura". Trata-se de uma cultura dominada, segundo o filósofo J. Brockman, "pelos cientistas e outros pensadores do mundo empírico que, através dos próprios trabalhos e escritos, estão tirando o lugar dos intelectuais tradicionais no qual é o que não somos".

Encontramo-nos, pois, diante de uma nova manifestação cultural onde o que antes era tradicionalmente da ciência, se converteu em cultura pública. De fato, os temas científicos ocupam um espaço importante nos periódicos. Entre outras questões, destacamos: a biologia molecular, a inteligência artificial, a vida tecnificada, a biodiversidade, o genoma humano, os sistemas especializados, a nanotecnologia e as novas tecnologias como Internet.

Em nossa cultura tecno-científica, a ciência se converteu numa grande novela, em vez de um cânon ou lista acreditada de idéias aceitáveis. A força da terceira cultura está precisamente em poder tolerar o desacordo sobre o qual estas idéias devam ser tomadas a sério.

Na cultura tecno-científica de afronta uma série de perguntas fundamentais: De onde vem o universo? De onde vem a vida? De onde veio a nossa mente? Diante destas perguntas, responde-se que o organismo, o cérebro, a biosfera ou o próprio universo não foram construídos segundo um desígnio, mas que tudo evoluiu sob o toque mágico da casualidade, deixando de lado o que se refere ao transcendente e divino.

Dentro da terceira cultura, há um predomínio absoluto da tecnologia que se caracteriza, segundo K. Kelly, pela mudança da busca da verdade pela busca da novidade: a criação melhor que a criatividade e a síntese espiritual melhor que a racionalidade.

A IMPORTÂNCIA DA BIOTECNOLOGIA

Também há que recordar que esta terceira cultura dá um impulso sério à biotecnologia. Este termo, segundo o Senior Advisory Group Biotechnology do Conselho Europeu das Federações da Indústria Química, se define como "um conjunto poderoso de instrumentos que encontrarão sempre um importante uso na produção de fármacos e produtos agro-alimentícios e muito outros destinados ao consumo quotidiano".

Somente há que serem recordados os importantes resultados obtidos nos campos da genoterapia, que abre as portas da esperança para curar toda uma série de graves enfermidades, e da genômica funcional, para a compreensão da atividade coordenada do gene da regulação dos complexos processos biológicos, tanto normais como patológicos.

Nesta nova cultura do século XXI, a biotecnologia está situada no primeiro degrau do desenvolvimento social e da valorização social não eliminando, porém, sim, eclipsando, as duas culturas: humanística e científica até que, dentro de poucos anos, esta última prevaleça. Por isso, segundo J. Banville, "o que hoje pensamos como ciência, para a maioria não é de fato ciência, mas ciência aplicada à vida, isto é, biotecnologia". E este é o elemento e a característica que predomina na terceira cultura.

OS VALORS ÉTICOS E A RELIGIÃO DENTRO DA TERCEIRA CULTURA

A cultura tecno-científica possui uns critérios que foram capazes de deslocar os valores éticos tradicionais, inclusive a esfera religiosa., como explicação de nossa realidade. Hoje em dia, tudo está permitido na tecnologia. Tudo o que se pode fazer se deve fazer.

Há uma ausência de limites. Além disso, dentro do âmbito antropológico, o homem é definido como um animal e somente um animal, situado no alto da escala evolutiva, da qual não s distingue em nada. A inteligência, o pensamento e a vontade somente são "um produto da atividade de um vasto conjunto de células nervosas e moléculas associadas", segundo afirma o Prêmio Nobel F. Crick.

Finalmente, a ética e a religião se constituem como expressões evolutivas do altruísmo animal e, portanto, em contínua evolução com o desenvolvimento da ciência, a qual cria novos costumes que, quando são aceitos pela sociedade, se convertem em norma. Dentro da terceira cultura que se nos está impondo pouco a pouco, promove-se um novo sistema axiomático.

Mesmo assim, este sistema está derivando numa estrutura ideológica fundamental, com graves conseqüências. Ciência e tecnologia são pobres por si mesmas por seu mecanicismo e narcisista modo de pensar e de agir, porém dispostas a crescer e a encontrar e preparar novas vias para um melhor bem-estar ao menos de uma parte da humanidade. Estão criando uma sociedade onde predomina o pensamento do aniquilamento das estruturas mais frágeis.

NEW AGE x ERA TECNOLÓGICA

Dentro da nova cultura técnico-científica, o fato religioso desaparece como referencial pessoal e existencial para construir a própria vida. Especialmente entram em crise os dogmas e as éticas das religiões tradicionais (cristianismo, islamismo, budismo...).

Diante desta constatação, percebe-se atualmente uma reação contra a cultura tecnológica. Responde à necessidade que tem o homem de algo mais que materialismo. O ser humano busca respostas transcendentes à sua problemática pessoal e social, já não amparadas nas propostas das religiões tradicionais, mas num novo paradigma espiritual definido como NEW AGE ou novas formas de religiosidade.

Pensa-se na relação com um deus diferente, não no Deus tradicional pregado há 2.000 anos, isto é, o Deus da cultura judaico-cristã. Trata-se de uma divindade que emana de um novo paradigma: o da nossa época técnico-científica. Porém, antes de adentrarmos no estreito bosque do novo paradigma espiritual, há que dizer o que entendemos por paradigma. Seu ponto de origem tem lugar através da publicação de AS ESTRUTURAS DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS (1962), de T. S. Kunh. Assim, o paradigma de nossa época nasce da recente revolução técnico-científica. Para Kunh, num primeiro momento, "paradigma" é uma realização científica universalmente reconhecida que, durante certo tempo, proporciona modelos de problemas e soluções a uma comunidade científica. Posteriormente, Kunh modifica sua definição e a formula da seguinte maneira: "Um paradigma é o que os membros de uma comunidade científica compartilham e, reciprocamente, uma comunidade científica consiste em homens que compartilham um paradigma".

NOVAS CHAVES ESPIRITUAIS DA CULTURA TÉCNICO-CIENTÍFICA.

Uma vez, vista a definição que Kunh nos oferece de paradigma, encontramos na atualidade alguns tantos paradigmas. Estes compõem seu pensamento estrutural e são uma chave para entender nossa cultura pós-moderna de final de século. Certamente, existe hoje em dia uma mudança de pensamento global. Sem acentuar os particularismos, tende-se a universalizar tudo.

Assistimos, pois, ao reconhecimento de uma maneira individual de entender a realidade. Cada um de nós pertence a um todo: a humanidade. Também encontramos o paradigma do presente eterno. O homem atual esquece, muitas vezes, a tradição e não quer depender do passado. E outro paradigma é o do fracasso do progresso como mito ou religião universal. Já não se busca tanto o progresso quantitativo dos avanços técnico-científicos.

Por outro lado, no seio da ecologia, brota com força o que poderíamos denominar o quarto paradigma. A Ecologia nos ensina a amar a natureza ameaçada pela catástrofe humana e o desastre do meio ambiente, ao qual o "homo faber" a submete.

O homem atual é um homem ecológico. Além disso, está se criando uma nova ética. Este quinto paradigma nos quer dizer que o homem tem que defender suas liberdades. Valoriza-se o pluralismo, a diferença e a secularidade. Luta-se contra o dogmatismo ou o pensamento monolítico, contra o fechamento e a teocracia dominante em épocas anteriores.

O sexto paradigma é o nascimento de uma nova intelectualidade. Devolve a crítica e a livre análise do momento cultural e social em que vivemos. Porém, esse novo pensamento aparece unido ao coração ou ao sentimento, entrelaçado com a esfera da emotividade até uma evolução completa do ser humano. A vida e a ciência são inseparáveis, enriquecem-se mutuamente.

Finalmente, os paradigma se englobam dentro da crise da modernidade. A pós-modernidade surge como a crítica desencadeada dos ideais modernistas. Deseja-se criar uma nova humanidade a partir do zero, de um novo humanismo ancorado nos valores da igualdade: a fraternidade, a liberdade e a solidariedade. Aqui poderíamos acrescentar a intenção de criar uma nova religião para a humanidade. Há um deslocamento do sagrado, das religiões tradicionais, para novas sensibilidades espirituais. Um novo despertar religioso no qual se deseja criar, segundo R. Berzosa, "uma nova religião para uma nova humanidade."

OS PARADIGMAS DENTO DAS NOVAS RELIGIOSIDADES

Quais novos produtos nos oferece a New Age (Nova Era)? Segundo J. L. Sánchez, pretende transmitir-nos um novo paradigma. Prega, sem cessar e em todos os campos do saber, uma nova cosmovisão para a humanidade sobre a vida, a mente, a consciência e a evolução. A "teoria dos sistemas", de F. Capra, formula o programa do paradigma "new age". Esta teoria fortalece a totalidade integrada, sistema que vive num "continuun" de relações exegéticas, de onde flui tudo.

Esta teoría arrecia la totalidad integrada, sistema que vive en un continuum de relaciones exegéticas, hacia donde fluye todo. Es el mismo hombre el encargado de realizar el cambio hacia el nuevo paradigma. La mencionada transformación será el estado de ser consciente de la propia conciencia.

El procedimiento transformador se producirá a través de una serie de fases: primero mediante un libro, cursillos, conferencias… después, por la meditación, buscando el método adecuado de conocimiento interior. Según los pensadores newagers , nos estamos adentrando en una época definitiva, en la era del cambio cósmico.

Englobando todo lo que hemos explicado más arriba, podemos resaltar los sacados básicos de este nuevo paradigma en cuatro sentidos diferentes. El primero hace referencia al método utilizado por la New Age, donde predomina el lenguaje soft (suave), energético y esperanzador. A través de un vocabulario atractivo y "novedoso", se pretende dar respuesta a las inquietudes del hombre actual, a la crisis de la sociedad postmoderna. Se abusa de la utilización de bastantes vocablos como armonía, transformación, nuevo, cósmico, paz, sentimiento, etc.

También el paradigma newager transmite un eclecticismo radical. Desarrolla teorías basadas en el subjetivismo divino. Nos presenta un concepto relativo de verdad fundamentada en el deseo humano y una teología sentimental. Igualmente se insiste en el nuevo paradigma científico, donde el ideal holístico y la unidad cósmica lo incluyen todo.

Se unen sin reticencias la ciencia y la religión, derivando en una nueva ciencia espiritual profundamente ecológica. El notable éxito de la cosmovisión de la New Age se produce gracias a la profundización en los campos más atractivos para el hombre de hoy: el esoterismo y el ocultismo, la autorrealización, la astrología, la reencarnación, la mezcla de la magia, el gnosticismo y el sincretismo, las medicinas alternativas, las nuevas terapias y la autocuración.