O que ganharei se me comportar bem?

AUTORIA – Pe. Fernando Pascual
TRADUÇÃO LIVRE – Ammá Maria Ângela de Melo Nicolleti, NA
FONTE – www.es.catholic.net

"E o que ganho se me comporto bem?" Quando um adolescente ou um jovem pergunta isso, quer que lhe demos um motivo para se comportar bem, para viver eticamente, para ver se realmente vale a pena não seguir seus gostos, senão o que lhe dizem (ou já sabe) que é o correto.

Quando é um adulto que faz esta pergunta, quem sabe o faz porque os golpes da vida o levam a pensar que agir honestamente nem sempre produz felicidade. Inclusive, porque acredita que os males, com sua aparente vitória e seu sorriso de triunfo, mostram que é possível ser feliz no meio do vício e da injustiça.

Precisamos mostrar que não há verdadeira felicidade sem viver eticamente. Isto implica três coisas: primeiro, ter uma idéia clara do que é a felicidade; segundo, compreender bem o que é a ética; terceiro, ver que o único caminho para ser feliz é viver eticamente.

O QUE É A FELICIDADE? Alguém poderia pensar que a felicidade coincide com satisfazer qualquer desejo das pessoas, ou com viver segundo as opiniões que estão na moda. Então, seria feliz aquele que realiza seus sonhos de piromania[1], ou aquele que abusa dos pobres através da usura, ou os que simplesmente se contentam com escutar mil vezes a música da moda, sem incomodar ninguém e sem deixar que ninguém os moleste.

Intuímos que esta resposta é muito insuficiente, porque, se identificamos a felicidade com seguir qualquer desejo, qualquer capricho, milhões de pessoas que não consigam o que desejam serão infelizes. Por sua vez, seriam felizes os que levam a cabo ações maldosas sem nome, como os criminosos ou os terroristas que "gozam" e aplaudem cada vez que conseguem matar vítimas inocentes.

A felicidade tem que ser algo muito mais profundo e mais nobre. Segundo pensadores como Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e Santo Tomás, a felicidade seria o que resulta por se ter alcançado a plenitude humana. Isto que dizer: consistiria em viver de acordo com o que significa nossa natureza vista não de modo parcial (caprichos, idéias), mas sim de modo integral: com nossa alma e nosso corpo, com nossas aspirações pessoais e com nossa condição de homens que vivem em sociedade e abertos ao eterno.

Estes grandes pensadores gregos e cristãos reconheceram que o homem é sensível e espiritual, "solitário" e membro de um grupo, temporal e eterno, necessitado de bens materiais e capaz de prescindir dos mesmos por motivos superiores. Sua felicidade somente é possível se alcança sua plenitude em todos esses campos.

Definir assim a felicidade não evita, sem dúvida, um sério problema: qualquer vida humana está continuamente submetida a imprevistos, em todos os níveis, pessoal e social, corporal e espiritual. Não foi outro grego – Sólon – que afirmava que não podemos chamar de feliz a ninguém, enquanto vive, senão apenas quando haja encerrado a história de sua existência terrena?

Este problema nos faz mirar além da morte. E perguntamos pelo que pode haver além fronteira. Do contrário, teríamos que aceitar tragicamente que muitos homens honestos tenham sofrido enormes desgraças, enquanto muitos malvados presumem aparentes "alegrias". E que logo, uns e outros, se percam no nada, como se não houvesse nenhum juízo que pusesse as coisas no seu lugar, como se não existisse nenhum Deus que enche de alegria os bons e "castigue" os criminosos irrecuperáveis.

Não basta, desde cedo, supor e "esperar" que exista outra vida para completar a idéia de felicidade: sobre um ponto tão importante faz falta a máxima certeza possível. A própria filosofia ofereceu bons argumentos para mostrar que o homem é um ser imortal, que a morte não absorve os que descem ao túmulo. Argumentos, há que se reconhecer, que nem todos aceitam, porém isso não os invalida. Também há quem pense que a violência pode ser usada quando ela lhe for benéfica, e nem por isso a idéia contrária deixa de ser verdadeira e defensável a partir de um ponto de vista simplesmente racional.

Poderíamos dizer, como uma primeira conclusão, que a felicidade consiste na plenitude integral do homem, Uma plenitude que lhe permite desenvolver harmonicamente suas distintas dimensões, seja como pessoa individual, seja como pessoa na sociedade, seja no tempo, seja na eternidade. Quando conseguimos a plenitude, somos felizes. No corpo e na alma, com os bens materiais e com os amigos verdadeiros, com as satisfações de uma vida plena que põe ordem nas tendências nem sempre orientadas ao bem, e que acrescenta as potencialidade espirituais dos que buscam o nobre e o belo.

O que dissemos acima nos põe a caminho para buscar uma definição do que seja a ética. Se a felicidade consiste em conseguir essa plenitude integral à qual todos somos chamados, a ética não poderá ser um conjunto de normas, leis ou costumes que nos afastem desse objetivo, senão que tem que nos orientar necessariamente para conseguir uma meta tão valiosa.

Desgraçadamente, ao longo dos últimos 300 anos, foram elaboradas teorias sobre a ética que deixaram de lado um profundo e sério estudo sobre o homem. Ao invés de reconhecer as dimensões fundamentais que compõem a natureza humana, limitaram-se a analisar desejos e estados psicológicos das pessoas. Neste contexto, alguns afirmaram que é bom aquilo que nos enche de uma satisfação mais ou menos profunda e que é mau aquilo que provoca em nós inquietudes ou sentimentos de fracasso. Se aceitássemos isto, haveria que se reconhecer que há tantas visões éticas quantas as idéias que passam pelas cabeças e os corações de milhões de seres humanos que vivem de modos muito distintos entre si.

Outros autores, mais que fixar-se no sujeito que age, elaboraram suas teorias éticas com o olhar posto na sociedade. Segundo estas teorias, são os demais, os outros, essa "maioria" que aprova ou condena o que fazemos, os que impõem costumes e normas, os que dizem o que é bom ou o que é mau. Isso leva a um sem fim de problemas, pois, ao longo dos séculos e por todo o planeta, as normas têm sido e são sumamente diferentes. Para os antigos gregos e romanos, era algo aceitável eliminar as crianças defeituosas, escravizar os vencidos, ver a mulher como alguém inferior e submisso. Para muitos modernos, o aborto é visto como um "direito", inclusive um dever quando se trata de evitar o nascimento de filhos não desejados. E os exemplos podem ser multiplicados quase ao infinito.

Nem o subjetivismo, nem o sociologismo nos levam a compreender o que é a ética. Então, o que é a ética? Em sua definição mais profunda, é uma disciplina que nos ajuda a orientar nossos atos livres em ordem a conseguir, na medida do possível, a realização completa de nossa humanidade. Ainda que tenhamos que sacrificar algum desejo não muito louvável, ainda que tenhamos que nos defrontar com as idéias do que vivem ao nosso lado.

Esta definição se apóia numa antropologia integral: uma antropologia que não deixa de lado o corporal, como em certas correntes "angelistas". Nem tão pouco o espiritual, como nos materialismos quiseram sufocar durante mais de 200 anos, e que não desapareceram das cabeças de alguns pensadores que se declaram "iluminados" no meio da obscuridade de suas dúvidas e seus erros.

Com as definições de ética e de felicidade que acabamos de esboçar, de certo modo já estamos em vias de entrever o nexo entre ética e felicidade. Se a felicidade consiste na plenitude do viver humano, e se a ética nos ajuda a orientar nossos atos para essa plenitude, então a ética nos deveria levar ser felizes. Isto é, quem vive eticamente se põe a caminho para viver plenamente sua condição humana e, na medida em que consegue isso, alcançará a desejada felicidade.

Aqui, sem dúvida, há que se reconhecer de novo que um sem fim de obstáculos nos separa da meta. De modo especial, podemos nos fixar em dois aspectos já mencionados em parte, anteriormente.

O primeiro consiste na fragilidade do nosso corpo. Vivemos uma existência temporal na qual a enfermidade, os imprevistos, os perigos de todos os dias, põem em jogo nossa integridade física e nossas possibilidades de levar a cabo aquilo que desejaríamos fazer. Se uma mãe ou um pai desejam cuidar de seus filhos e adoecem, a fraqueza do corpo os impede de seu desejo. Não poderão mostrar seu amor e sua generosidade com aqueles atos com os quais, antes cuidavam de cada filho. A pena profunda que experimentam nasce desse sentirem-se impedidos, "fracassados", diante de um desejo veemente, profundo e nobre.

Em segundo lugar, constatamos a fragilidade de nossa vontade. Há momentos em que vemos com clareza que um ato nos convém, que é bom, que beneficia os outros. Logo o cansaço, a preguiça, o medo do fracasso ou das críticas, nos encurralam e não fazemos aquilo que deveríamos e que nos havíamos proposto.

Os casos são infinitos. Um senhor que se havia comprometido a visitar um amigo enfermo termina a tarde no bar com seus amigos. Um jovem que estuda medicina e tem que passar num exame o protela porque preferiu ir à discoteca em vez de se dedicar à tarde para fazer seus deveres universitários. Um político sabe que esta decisão lhe tirará votos, porém beneficiaria o país, e, ao final, prefere ceder ao medo e opta por outra decisão mais cômoda que lhe permite manter-se no poder ainda que, ao longo do tempo, provocará muitos males sociais. Estes e outros exemplos mil mostram a debilidade que nos assalta, seja por medo, seja por interesses turvos, seja por outros fatores.

Por isso, o caminho para a felicidade está cheio de buracos, de acidentes, de fracassos. Uns escapam ao nosso controle. Chegam-nos, previstos ou imprevistos, e parecem truncar projetos profundamente acariciados. Outros, que pudemos ter evitado, e não o fizemos porque não quisemos ou não soubemos vencer asperezas, desejos de prazer ou ambições de poder, porque nos deixamos escravizar por um "triunfo" aparente.

Ao olhar para trás e ao ver nosso presente, pensamos: quão difícil é chegar à plenitude humana! Parece um caminho cheio de insídias, parece que não há possibilidade alguma de sermos felizes. Sem dúvida, quem é capaz de se orientar sempre para o bem, quem forma sua consciência e a segue prazerosamente, quem antepõe a verdade e a justiça a quaisquer interesses egoístas, poderá, quem sabe, não realizar alguns de seus sonhos... Porém, sentirá em seu coração que, apesar de tudo, quis fazer o bem, e isso produz uma felicidade profunda que permite brilhar numa cama de dor, num campo de extermínio, numa casa enquanto se vive abandonado por familiares e amigos, com uma luz que é própria de almas grande.

Essa luz nos lança no eterno, descobre que existe um Deus que não é indiferente à vida dos Seus filhos. Um Deus que acompanha os fracos, que levanta os caídos, ajuda os necessitados, consola os tristes, dá felicidade aos bons, aos justos, aos sinceros, aos puros.

Vale a pena viver a fundo os princípios éticos. Vale a pena construir a vida não segundo o capricho do instante, mas sim segundo aquilo que não passa. Vale a pena arriscar-se a aparentes fracassos no tempo, quando o terno enche de esperança e de uma felicidade profunda que começa aqui em baixo e ingressa, de um modo que ainda não vislumbramos, plenamente no céu.