8. O pregador e o tema da sexualidade

(Com base em: Carlo Maria MARTINI. El presbítero como comunicador.
Madrid: PPC Editorial y distribuidora, 1996, 199 p.)

- O tema da sexualidade é um tema concreto com o qual o pregador se encontra continuamente.

- É um tema sobre o qual Sto. Agostinho tem muito a dizer:

- Diz de quando tinha 16 anos: “Quero recordar as minhas torpezas passadas e as depravações carnais da minha alma, não porque as ame agora, mas para Vos amar ó meu Deus. É por vosso amor que, amargamente, chamo à memória os caminhos viciosos, para que me dulcifiqueis, ó doçura que não engana, doçura firme e feliz. Concentro-me, livre da dispersão em que me dissipei e me reduzi ao nada, afastando-me de vossa unidade para inúmeras bagatelas” (Confissões II,i,1).

- A partir dessa experiência, ele se dá conta de que a castidade é um dom: “’Como agradecerei ao Senhor’ (Sl 115,12) o ter-se a minha memória recordado desses fatos e a minha alma não ter sentido temor? Amar-Vos-ei, Senhor, dar-vos-ei graças e confessarei o vosso nome, porque me perdoastes ações tão más e tão indignas. Atribuo à Vossa graça e à Vossa misericórdia o terdes-me dissolvido, como gelo, os pecados. À Vossa graça devo o ter fugido do mal que não pratiquei” (Confissões II,vii,15).

- A seguir, exorta àqueles que, lendo-o, talvez se perguntássem: Por que não fui tão longe?: “Aquele que, a vosso convite, seguiu o chamamento e evitou as falhas

– que agora lê em mim, quando as recordo e confesso – não se ria de eu ter sido curado da minha doença por Aquele Médico. Por Ele foi-lhe concedido não cair na mesma doença, ou antes, fez com que enfermasse com menos gravidade” (Confissões II,vii,15).

- Finalmente, expressa sua convicção de que é só pela graça que o homem pode viver em castidade: “que homem há que, refletindo sobre na sua enfermidade, ouse atribuir às próprias forças a sua castidade e inocência?” (Confissões II,vii,15).

- Meditemos o texto de Efésios 5,1-20, que contém uma espécie de suma do que é necessário ter em conta o pregador no que se refere ao tema da castidade.

- Primeiramente se diz: “Tomai-vos, pois, imitadores de Deus, como filhos amados, e andai em amor, assim como Cristo também nos amou e se entregou por nós a Deus, como oferta e sacrifício de odor suave. Fornicação e qualquer impureza ou avareza nem sequer se nomeiem entre vós, como convém a santos. Nem ditos indecentes, picantes ou maliciosos, que não convém, mas antes ações de graças” (Ef 5,1-4).

* Como se vê, a colocação do problema é positiva: imitação de Deus, de Cristo, ação de graças, distância da baixeza humana, o ideal de ser filhos de Deus e de viver na caridade.

- Por isso, vale a penas começar perguntando-nos sobre a nossa relação com essa temática, se é também positiva ou não: Vivo em mim mesmo o que afirmo na pregação sobre este tema e creço no espírito falando dessa coisas? Ou, pelo contrário, estes temas me fazem mergulhar numa sensação de contradição interna, de incerteza, de amargura, em atitudes que rompem em vez de edificar a minha personalidade cristã, fazendo de mim um ser acovardado e cheio de medo? Com efeito, muitas vezes, em nossas crises, não sentimos acordo entre o nosso interior e aquilo que pregamos.

- Do texto da Carta aos Efésios vamos extrair três temas

:a) a integridade pessoal:

- Paulo fala de coisas que não convém àquele que crê, inclusive na linguagem. Pensamos numa integração afetiva que nos permita penetrar mais a fundo nos problemas levantados nesta área sem nos sentirmos envolvidos, ou seja, com uma certa distância. Agostinho diz: “’Como agradecerei ao Senhor’ (Sl 115,12) o ter-se a minha memória recordado desses fatos e a minha alma não ter sentido temor?” (Confissões II,vii,15). (necessidade de liberdade para tratar os assuntos).

- Quando não há essa liberdade, corremos o risco de raciocinar sobre os temas de maneira a justificar alguma debilidade própria; não se busca o verdadeiro bem moral, simplesmente, mas se busca inconscientemente justificar-se a si mesmo. Chega-se com isso ao que Paulo chama de “raciocínios vãos”, “palavras vãs”: “Pois é bom que saibais que nenhum fornicário ou impuro ou avarento — que é um idólatra — tem herança no Reino de Cristo e de Deus.Ninguém vos engane com palavras vãs, porque por essas coisas vem a ira de Deus sobre os desobedientes” (Ef 5.5-6).

- Quando advertimos em nós alguma debilidade nesta área, é melhor que nos abstenhamos de discernir os casos mais delicados e nos atenhamos à doutrina sólida da Igreja.

b) A obediência doutrinal:

- Consiste em saber claramente o que está bem e o que está mal. Supõe aceitar com confiança as indicações da Igrejaa respeito dos ensinamentos em geral e concretos.

- Ela nos coloca na sinceridade, na simplicidade e na humildade. Deve ser exercida com serenidade e com amor.

- Precisamente por ser uma obediência confiada e filial, utiliza também a inteligência hermenêutica, a confiança interpretativa. Assim como se interpreta com inteligência hermenêutica o texto bíblico, infalível, com mais razão se deve interpretar outros textos, os morais, por exemplo.

- Mas, essa interpretação hermenêutica é alimento sólido, não leite; supõe um homem maduro, que tenha percorrido os caminhos do crescimento interior e tenha chegado a este estado sacerdotal que lhe capacita para assumir as responsabilidades de outros, para pronunciar de maneira responsável uma palavra sobre situações difíceis, para integrar os múltiplos elementos de um problema, para emitir juízos de sabedoria e não só juízos teologicamente corretos (um pregador não tem que ser necessarimente teólogo. Às vezes é necessário assumir responsabilidades pelos outros, pois ainda são muito imaturos para compreender. O ideal é que o outro assuma a responsabilidade por si mesmo, quando tem condições para isso).

c) Idéias claras sobre o kerigma:

- É o que permite distinguir os elementos essenciais dos secundários. Não que se deva prescindir dos segundos, já que Jesus disse que “há que fazer isto, sem desprezar aquilo” (Mt 23,23). Paulo nos apresenta o kerigma tendo como prioridade absoluta a caridade.

- Ter estas idéias claras nos permite não exigir com a mesma intensidade e força as realidades básicas e as que emanam destas e necessitam de um lento e progressivo processo de assimilação.

- Utilizando aquela imagem do equilíbrio do pregador, podemos dizer que:

* no nível do equilíbrio objetivo: ter idéias claras sobre o kerigma significa saber distinguir as verdades básicas das que procedem destas. Por exemplo, é muito mais importante falar de Jesus que do diabo.

* no nível do equilíbrio dinâmico: é preciso lembrar que o ser humano está sempre em movimento com relação à moral teórica, está sempre em movimento para integrar o kerigma em sua vida, ora mais próximo dele, ora mais longe. Isso vale também para a situação coletiva e seus condicionantes culturais e sociais (um campeão juvenil disse ser mais grave abusar do uso do metrô que a homossexualidade, o aborto, a eutanásia, o adultério, etc).

* no nível do equilíbrio misericordioso: a clareza do kerigma consiste aqui em que o Evangelho impulsiona o homem a transcender-se; o convida a ter um pouco mais de amor, de castidade, de pureza, de humildade, a viver “segundo Deus”, imitando a Jesus. Não se pode dizer: “onde estiver estás bem”! O kerigma convida a ir além, a superar-se.

* Por isso, a pregação, na área moral, deveria mais exortar que informar. Não deveria conformar-se em expor a lei, com dizer “isso é pecado, não se deve fazer, está proibido”; deveria, antes, exortar com o exemplo e a palavra a caminhar para a plenitude espiritual e moral cristã. Exortar à castidade no próprio estado de vida, ao espírito e à prática da pobreza, à contemplação, etc.

- Algumas situações particulares e marginais:

a) Pregar sobre a sexualidade:

- Das poucas palavras de Jesus, das Cartas de Paulo e dos escritos dos Santos Padres sobre a sexualidade devemos concluir que ela não é um tema prioritário da pregação. Ela é mais objeto da catequese e da formação que da pregação; é objeto de respostas a perguntas concretas, de colóquio com pessoas que já estão realizando um caminho e, chegadas a um determinado tempo, se fazem determinadas perguntas.

- Insistir sobre este tema, especialmente sob a forma de advertências de tipo moralista, isoladamente, fora de um caminho de continuidade (como acontece na catequese) pode levar a más interpretações.

- Quando se referir a este assunto na pregação, deve-se tomar cuidado para não fazê-lo negativamente, estigmatizando vícios e modos de conduta; é necessário fazê-lo de maneira positiva, em relação com o kerigma, com a santidade cristã, a corporeidade e o valor da vida.

- Um exemplo disso pode-se ver nestas palavras de Paulo: “Procurai discernir o que é agradável ao Senhor e não sejais participantes das obras infrutuosas das trevas, antes denunciai-as, pois o que eles fazem em oculto até o dizê-lo é vergonhoso. Mas tudo o que é condenável é manifesto pela luz, pois é luz tudo o que é manifesto” (Ef 5,10-13). Inserindo suas palavras num contexto positivo, numa meta a ser alcançada, o próprio Cristo, ele indica um caminho a percorrer e umas coisas a serem deixadas para trás.

b) Confessar:

- A confissão é um encontro; não há regra de como fazê-la, ou a regra consiste em compreender quem é e em que estado de ânimo se encontra que está se confessando, para saber o que ela está em condições de fazer. Trata-se de administrar a bondade e a misericórdia do Senhor: “andai como filhos da luz, pois o fruto da luz consiste em toda bondade e justiça e verdade” (Ef 5,8-9).

- A confissão não é lugar de formação, mas de reconciliação. O confessor está tentando a dar todas as orientações, e isso é tarefa da direção espiritual, cujo lugar privilegiado é a catequese. Além disso, nem sempre aquele que está se confessando nem sempre está disposto a escutar tudo.

- A finalidade da confissão é ajudar o penitente a avançar um pouco mais a partir do lugar em que se encontra. No que se refere à sexualidade, hoje em dia, é necessário despertar para a pecaminosidade de certos atos, sobre os quais se perdeu a consciência de pecado. Mas, isto deve ser feito de maneira a não se desconfiar da bondade de Deus, de maneira a se considerar a Deus como um inimigo.

- Não se deve em geral “fechar portas”, pois se a pessoa vem confessar é porque já está superando um obstáculo, está fazendo um ato de coragem, e dificilmente o faz para enganar.

- É necessário delicadeza quanto a fazer perguntas na confissão. É necessário para isso considerar o tipo de penitente: os mais tradicionais desejam que se lhes pergunte, inclusive sobre os temas mais delicados; os não tradicionais chegar a considerar ofensivo que se lhes faça tantas perguntas. Para estes últimos, é mais conveniente uma exortação positiva (a que leve uma vida cristã mais intensa, e a que chegue por si mesmo à convicção sobre o bem moral).

c) os jovens:- Vivemos tempos de uma verdadeira revolução cultural e sexual que trouxe à luz certas condutas e formas de agir, certas relaxações, que antes eram inadmissíveis. Isso não quer dizer que os tempos passados também não tivessem seus problemas: debaixo de um verniz de maior compostura havia muitas ambiguidades e condutas inconvenientes.

- De todas as formas, as mudanças culturais por que passamos tem consequencias nefastas sobre a consciência juvenil, tirando dela a sensibilidade para valores mais profundos como o castidade, a renúncia, a nobreza da linguagem e de comportamento, o respeito mútuo.

- Essa situação cultural diminui a culpabilidade objetiva. É necessário ter isso em conta para ajudar aos jovens. Não se trata de trata de felicitá-los, mas de ajudá-los a que aceitem de forma razoável uma reprimenda que os ponha num caminho de verdadeira ascese.

- Trata-se de partir de sua situação real, talvez confusa, ambígua, para levá-los a descobrir gradualmente as forças do sacrifício e da luta. Como se pode ver nos textos paulinos, o que realmente ajuda é uma atmosfera de compromisso e de alegria, que leve a realizar sacrifícios concretos, fazendo com que os jovens se apartem voluntariamente de uma vida frívola.

- Os jovens haverão de compreender que é necessário lutar, impor-se renúncias com fortes motivações vitais, numa atmosfera de compromisso global, comunitário.

- Mas, isso se faz com um convite concomitante ao crescimento na oração, o gosto pelo conhecimento de Deus, o desejo de ler o Evangelho. Assim, pouco a pouco se afina a consciência, se aceita mais a cruz, e até se pode sentir o chamado a uma vocação de consagração a Deus.

- Num ambiente de caminho para maior plenitude e verdade (formas de serviço, acampamentos, etc) a consciência se clarifica e se recebe com maior liberdade de coração o convite à castidade. É assim que se entendem estas palavras de Paulo: “E não vos embriagueis com vinho, que é uma porta para a devassidão, mas buscai a plenitude do Espírito. Falai uns aos outros com salmos e hinos e cânticos espirituais, cantando e louvando ao Senhor em vosso coração, sempre e por tudo dando graças a Deus, o Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (Ef 5,18-20).