(Com base em: Carlo Maria MARTINI. El presbítero como comunicador.Madrid: PPC Editorial y distribuidora, 1996, 199 p.)
- Contexto da pregação de Paulo na Segunda Carta aos Coríntios: situação de luta, de polêmica, de sofrimento e angústia. Seu ministério está sendo questionado e Paulo se sente fracassado.
- Já as primeiras palavras da carta falam de duras provas: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação! Ele nos consola em todas as nossas tribulações” (2Cor 1,3-4).
- A seguir, voltam a aparecer os termos “sofrimento”, “tribulação”: “abundam em nós os sofrimentos de Cristo... Se somos atribulados, é para a vossa consolação e salvação que o somos. Se somos consolados, é para a vossa consolação, que vos faz suportar os mesmos sofrimentos que também nós padecemos. ... Não queremos, irmãos, que o ignoreis: a tribulação que padecemos na Ásia acabrunhou-nos ao extremo, além das nossas forças, a ponto de perdermos a esperança de sobreviver” (2Cor 1,5-8).
- Paulo se pergunta pela força de sua pregação, sente que sua palavra não foi escutada, não produziu os efeitos esperados. Se sente fracassado.
* Também nós vivemos o ministério da pregação geralmente no meio de uma batalha interior: sentimos que não nos escutam, que até se burlam de nós, que nos desprezam, nos rechaçam, que são indiferentes à nossa palavra, que competimos com tantas outras mensagens aparentemente mais atraentes.
- Apesar de tudo isso, a Carta nos apresenta Paulo com uma forte sensação de segurança: “Por isto, já que por misericórdia fomos revestidos de tal ministério, não perdemos a coragem. Dissemos "não" aosprocedimentos secretos e vergonhosos (silencios vergonhosos); procedemos sem astúcia e não falsificamos a palavra de Deus. Muito ao contrário, pela manifestação da verdade recomendamo-nos à consciência de cada homem diante de Deus” (2Cor 4,1-2).
- Trata-se de uma segurança que não é doutrinal (“eu vos apresento as verdades da ortodoxia católica”), mas existencial, uma experiência de vida, uma atitude de mente que não está bloqueada pelo desalento, nem pelo medo, mas atua com liberdade interior; é o descanso de uma alma que se desenvolve com espontaneidade e com facilidade de palavras.
- Agostinho acrescenta à coragem, liberdade interior, espontaneidade e facilidade, expressas por Paulo, uma outra característica da pregação feita com segurança: a alegria. (citar texto) Trata-se da alegria de expressar livremente o que temos dentro de nós. Agostinho fala de “hilaridade”: é quase uma espécie de brincar dentro do mistério, que se manifesta na facilidade de manejar símbolos, imagens, parábolas na comunicação da Palavra. Jesus tinha muito dessa capacidade de jogar, de brincar usando imagens, uma ironia que o levava a superar situações dramáticas mediante uma compreensão alegre e objetiva de todo o problema.
* Nós também já experimentamos em nós ou vimos em outros, o transmitir conceitos tomados de outros, ou o relato de experiências que foram contados por outros, ou coisas lidas, que servem de fórmulas e frases feitas. E percebemos que aí falta segurança, espontaneidade, liberdade (MEU: importância de preparar homilias com materiais de outros, mas apropriando-se delas).
- Mas, essa segurança paulina na pregação é muito diferente da presunção, da jactância. Ela, ao contrário, convive com o “temor e o tremor”, com a percepção de nossa insuficiência e fragilidade, pois “este tesouro nós o levamos em vasos de barro” (2Cor 4,7).
- É uma segurança que vem da cruz, e por isso, é muito humana, não fria e presunçosa: “Não quis saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Estive entre vós cheio de fraqueza, receio e tremor” (1Cor 2,2-3).
- Não se trata da segurança de quem, tendo recebido aplausos, parabéns, triunfos, se exalta e dá graças a Deus, mas a atitude de quem, passando por momentos dolorosos e situações obscuras, sente ainda a tranquilidade e a força da Palavra.
* A presunção e a vanglória produzem distanciamento, suspeita, desconfiança, ou então frutos efêmeros, porque se baseiam na brilhantez humana das palavras e não na segurança de Deus, que, por sua vez, produz proximidade, é doce, paciente, modesta, cortêz, humilde.
- Trata-se de uma segurança em meio à turbação, à perseguição, o que faz perceber que essa força vem de Deus: “Trazemos, porém, este tesouro em vasos de argila, para que esse incomparável poder seja de Deus e não de nós. Somos atribulados por todos os lados, mas não esmagados; postos em extrema dificuldade, mas não vencidos pelos impasses; perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados. Incessantemente e por toda parte trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja também manifestada em nosso corpo” (2Cor 4,7-10).
- No fundo, essa segurança radica em sua procedência, vem de Deus, vem do fato de saber-se chamado, escolhido, nomeado, ordenado, mandado, enviado.
- “Graças sejam dadas a Deus, que por Cristo nos carrega sempre em seu triunfo e, por nós, expande em toda parte o perfume do seu conhecimento” (2Cor 2,14). Em nosso apostolado somos a fragância do conhecimento de Deus.
- “Foi ele quem nos tornou aptos para sermos ministros de uma Aliança nova, não da letra, e sim do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito comunica a vida” (2Cor 3,6).
- “Por isto, já que por misericórdia fomos revestidos de tal ministério, não perdemos a coragem” (2Cor 4,1).
- “Porquanto Deus, que disse: Do meio das trevas brilhe a luz!, foi ele mesmo quem reluziu em nossos corações, para fazer brilhar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo” (2Cor 4,6).
- “Esse incomparável poder procede de Deus e não de nós” (2Cor 4,7).
- O ministério de pregador em Cristo aparece precisamente assim, tal como o resume Mateus citando o profeta Isaías: “Ele não discutirá, nem clamará; nem sua voz nas ruas se ouvirá. Ele não quebrará o caniço rachado nem apagará a mecha que ainda fumega, até que conduza o direito ao triunfo” (Mt 12,19-20).
- O que isso significa para nós?
- Devemos começar por reconciliar-nos com as circunstâncias de nosso ministério. Não podemos ficar imaginando que em situações distintas estaríamos melhor. De fato, não podemos imaginar uma sociedade mais corrupta, mais dissipada, mais exposta a confusões que a de Corinto. Devemos, portanto, viver conscientemente.
- Depois, devemos perceber as gretas presentes na muralha da indiferença (falar do estar nas gretas: Elias). Paulo foi capaz de perceber, nas gretas do muro do paganismo, dos vícios, da autosuficiência, grandes desejos de escuta, de interioridade, de ajuda, de busca de Deus.
- É necessário reavivar a consciência da iniciativa divina em nós e em nossa vida apostólica. Lembrar que se estamos aqui e agora nestas circunstãncias concretas é porque fomos chamados, enviados desde o alto pelo Deus que me sustenta. Nossa ação de pregadores se apoia na força criadora e redentora de Deus, que ressuscitou a Jesus e infundiu em nosso coração o esplendor de seu rosto: “Porquanto Deus, que disse: Do meio das trevas brilhe a luz!, foi ele mesmo quem reluziu em nossos corações, para fazer brilhar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo” (2Cor 4,6).
- Não só em nós essa necessidade de despertar o sentido de Deus é hoje urgente, mas inclusive o conteúdo da pregação deve ser hoje este. De fato, o homem de hoje, mais que dificuldades a respeito de temas concretos (os novíssimos, a sexualidade, a justiça e o tema social, o sofrimento, os temas morais, etc.), tem necessidade de ser colocado em contato com o mistério de Deus. A tarefa do pregador hoje, tanto pela palavra como mistagogicamente, é a e ajudar as pessoas a perceber a Deusna oração e na vida. - Diz Karl Rahner:* “Numa situação como a de hoje, onde impera a técnica racional, o ‘cientificismo’ da vida, a frivolidade do mundo, é mais importante que a ajuda Igreja consista em despertar continuamente, mistagogicamente, e de exercer o verdadeiro e fundamental ato de fé, em vez de se limitar a apresentar os diferentes conteúdos da fé” (La Iglesia para los demás, Herder, 1970, p. 10).
* “O verdadeiro perigo, e portanto o inimigo número um da fé e da obra pastoral da Igreja, não é tanto a heresia dentro de um conceito fundamentalmente cristão (ou teísta) da existência – se aceita a Deus, mesmo que se erre em algum aspecto concreto – mas a apostasia, que nos distancia de uma relação explícita livremente assumida com o Deus vivo em Cristo e na Igreja”.
* Devemos pregar que “temos a ver com esse Deus, que a ele rezamos, que vivemos sempre em estado de responsabilidade em sua presença, que nos encontramos a nós mesmos em sua revelação; anunciar continuamente tudo isso e guiar mistagogicamente aos outros nesta direção é a primeira e última missão evangelizadora da Igreja de hoje”.
- João Paulo II, em sua Encíclica Dominum et vivificantem nº 56, sobre o Espírito Santo, diz:
* “Infelizmente, a resistência ao Espírito Santo, que são Paulo acentua em sua dimensão interior e subjetiva como tensão, luta e rebelião que se produz no coração humano, encontra nas distintas épocas da história e, sobretudo, na época moderna, sua dimensão externa, concretizando-se como conteúdo da cultura e da civilização, como sistema filosófico, como ideologia, como programa de açãoe de formação dos comportamentos humanos. Encontra a sua máxima expressão no materialismo, tanto em sua forma teórica – como sistema de pensamento – como em sua forma prática – como método de leitura e de valorização dos fatos e também como correspondente programa de conduta”.
* “Na teoria e na prática, o materialismo exclui radicalmente a presença e a ação de Deus – que é Espírito – no mundo, e sobretudo no homem, por uma razão fundamental: não aceita sua existência, por tratar-se de um sistema ateu em sua essência e em seu programa”.
- Segundo Martini, esse é um problema do homem ocidental. Ele cita o caso de Indonésia, de onde vem em recente visita. O sentido de Deus aí presente se expressa, por exemplo, em que todas as religiões são reconhecidas como oficiais, ou que no dia da Festa Pátria, após a palavra do presidente, se faça uma prece pública em que todos participam (enquanto isso, aqui querem abolir o crucifixo das repartições públicas).- O pregador não é alguém que oferece elementos doutrinais, psicológicos e sociais, ou mesmo teológicos; é, antes, alguém que transmite e convida a viver – mediante a palavra, o sacramento, a liturgia, a oração – a alegria da confiança no mistério de Cristo crucificado e ressuscitado (MEU: desta forma, o oferecimento de elementos psicológicos, sociológicos ou teológicos podem ser utilizados numa pregação como meio, mas nunca como fim).
- O que deve caracterizar as nossas homilias é, antes de tudo, a boa notícia do Absoluto em quem podemos confiar e apoiar-nos, a quem devemos abandonar nossa vida.
- A confiança em Deus, a obediência à sua Palavra e à sua Vontade é a atitude fundamental da vida de Jesus, como também de sua morte e ressurreição. A pregação deve convidar o homem a essa atitude fundamental da confiança e obediência, que em Jesus encontrou a sua expressão mais cabal: humildade, renúncia, paciência, doçura, misericórdia, pobreza, justiça, honradez.
- Mais que ensinar a viver realidades pontuais, de forma separada (explicar o que é a castidade, a sinceridade, etc.), a pregação deve interpelar a essa totalidade da confiança no Mistério de Deus.
- Deste modo, aquele que, por exemplo, prega sobre a justiça social, deve fazê-lo de uma maneira tal que esta apareça como um reflexo do mistério de Cristo crucificado, de seu amor infinito pela humanidade, da transcendência de Deus e de sua amável presença em todas as coisas.
- Citar o caso de Madeleine Delbrel, pp. 45-46
- É importante lembrar que a segurança do pregador não é algo consciente a nivel superficial. Santo Agostinho, por exemplo, quase nunca estava satisfeito com os seus sermões. São Carlos Borromeu, quando falava tremia e fazia o povo também tremer, não se sabe se por causa do ardor de seu coração e de se pregação ou se por causa do esforço que tinha que fazer para superar-se, já que era gago.- É importante lembrar também que a segurança surge em diálogo com os outros, nasce do intercambio e se nutre com ele. O interlocutor contribue verdadeiramente para despertar e orientar o meu pensamento e as minhas palavras. A sua simples presença, as suas reações que se manifestam principalmente através do olhar, me indicam o que preciso matizar, aprofundar, ter novas intuições.
- Perguntemo-nos:
- De que modo minha pregação reflete o mistério do Senhor em sua totalidade?
- De que modo podem as pessoas perceber que, em cada uma das coisas que digo, estou falando de Deus, de seu amor infinito, de Jesus morto na cruz por nós?- E de que modo, ao falar de Deus e de seu mistério, estou falando também da justiça, da castidade, da renúncia, do sacrifício, da verdade, da sinceridade?
- Já as primeiras palavras da carta falam de duras provas: “Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e Deus de toda consolação! Ele nos consola em todas as nossas tribulações” (2Cor 1,3-4). - A seguir, voltam a aparecer os termos “sofrimento”, “tribulação”: “abundam em nós os sofrimentos de Cristo... Se somos atribulados, é para a vossa consolação e salvação que o somos. Se somos consolados, é para a vossa consolação, que vos faz suportar os mesmos sofrimentos que também nós padecemos. ... Não queremos, irmãos, que o ignoreis: a tribulação que padecemos na Ásia acabrunhou-nos ao extremo, além das nossas forças, a ponto de perdermos a esperança de sobreviver” (2Cor 1,5-8).- Paulo se pergunta pela força de sua pregação, sente que sua palavra não foi escutada, não produziu os efeitos esperados. Se sente fracassado.* Também nós vivemos o ministério da pregação geralmente no meio de uma batalha interior: sentimos que não nos escutam, que até se burlam de nós, que nos desprezam, nos rechaçam, que são indiferentes à nossa palavra, que competimos com tantas outras mensagens aparentemente mais atraentes.- Apesar de tudo isso, a Carta nos apresenta Paulo com uma forte sensação de segurança: “Por isto, já que por misericórdia fomos revestidos de tal ministério, não perdemos a coragem. Dissemos "não" aosprocedimentos secretos e vergonhosos (silencios vergonhosos); procedemos sem astúcia e não falsificamos a palavra de Deus. Muito ao contrário, pela manifestação da verdade recomendamo-nos à consciência de cada homem diante de Deus” (2Cor 4,1-2).- Trata-se de uma segurança que não é doutrinal (“eu vos apresento as verdades da ortodoxia católica”), mas existencial, uma experiência de vida, uma atitude de mente que não está bloqueada pelo desalento, nem pelo medo, mas atua com liberdade interior; é o descanso de uma alma que se desenvolve com espontaneidade e com facilidade de palavras.- Agostinho acrescenta à coragem, liberdade interior, espontaneidade e facilidade, expressas por Paulo, uma outra característica da pregação feita com segurança: a alegria. (citar texto) Trata-se da alegria de expressar livremente o que temos dentro de nós. Agostinho fala de “hilaridade”: é quase uma espécie de brincar dentro do mistério, que se manifesta na facilidade de manejar símbolos, imagens, parábolas na comunicação da Palavra. Jesus tinha muito dessa capacidade de jogar, de brincar usando imagens, uma ironia que o levava a superar situações dramáticas mediante uma compreensão alegre e objetiva de todo o problema.* Nós também já experimentamos em nós ou vimos em outros, o transmitir conceitos tomados de outros, ou o relato de experiências que foram contados por outros, ou coisas lidas, que servem de fórmulas e frases feitas. E percebemos que aí falta segurança, espontaneidade, liberdade (MEU: importância de preparar homilias com materiais de outros, mas apropriando-se delas).- Mas, essa segurança paulina na pregação é muito diferente da presunção, da jactância. Ela, ao contrário, convive com o “temor e o tremor”, com a percepção de nossa insuficiência e fragilidade, pois “este tesouro nós o levamos em vasos de barro” (2Cor 4,7).- É uma segurança que vem da cruz, e por isso, é muito humana, não fria e presunçosa: “Não quis saber outra coisa entre vós a não ser Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Estive entre vós cheio de fraqueza, receio e tremor” (1Cor 2,2-3).- Não se trata da segurança de quem, tendo recebido aplausos, parabéns, triunfos, se exalta e dá graças a Deus, mas a atitude de quem, passando por momentos dolorosos e situações obscuras, sente ainda a tranquilidade e a força da Palavra.* A presunção e a vanglória produzem distanciamento, suspeita, desconfiança, ou então frutos efêmeros, porque se baseiam na brilhantez humana das palavras e não na segurança de Deus, que, por sua vez, produz proximidade, é doce, paciente, modesta, cortêz, humilde.- Trata-se de uma segurança em meio à turbação, à perseguição, o que faz perceber que essa força vem de Deus: “Trazemos, porém, este tesouro em vasos de argila, para que esse incomparável poder seja de Deus e não de nós. Somos atribulados por todos os lados, mas não esmagados; postos em extrema dificuldade, mas não vencidos pelos impasses; perseguidos, mas não abandonados; prostrados por terra, mas não aniquilados. Incessantemente e por toda parte trazemos em nosso corpo a agonia de Jesus, a fim de que a vida de Jesus seja também manifestada em nosso corpo” (2Cor 4,7-10).- No fundo, essa segurança radica em sua procedência, vem de Deus, vem do fato de saber-se chamado, escolhido, nomeado, ordenado, mandado, enviado.- “Graças sejam dadas a Deus, que por Cristo nos carrega sempre em seu triunfo e, por nós, expande em toda parte o perfume do seu conhecimento” (2Cor 2,14). Em nosso apostolado somos a fragância do conhecimento de Deus.- “Foi ele quem nos tornou aptos para sermos ministros de uma Aliança nova, não da letra, e sim do Espírito, pois a letra mata, mas o Espírito comunica a vida” (2Cor 3,6).- “Por isto, já que por misericórdia fomos revestidos de tal ministério, não perdemos a coragem” (2Cor 4,1).- “Porquanto Deus, que disse: Do meio das trevas brilhe a luz!, foi ele mesmo quem reluziu em nossos corações, para fazer brilhar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo” (2Cor 4,6).- “Esse incomparável poder procede de Deus e não de nós” (2Cor 4,7).- O ministério de pregador em Cristo aparece precisamente assim, tal como o resume Mateus citando o profeta Isaías: “Ele não discutirá, nem clamará; nem sua voz nas ruas se ouvirá. Ele não quebrará o caniço rachado nem apagará a mecha que ainda fumega, até que conduza o direito ao triunfo” (Mt 12,19-20).- O que isso significa para nós?- Devemos começar por reconciliar-nos com as circunstâncias de nosso ministério. Não podemos ficar imaginando que em situações distintas estaríamos melhor. De fato, não podemos imaginar uma sociedade mais corrupta, mais dissipada, mais exposta a confusões que a de Corinto. Devemos, portanto, viver conscientemente.- Depois, devemos perceber as gretas presentes na muralha da indiferença (falar do estar nas gretas: Elias). Paulo foi capaz de perceber, nas gretas do muro do paganismo, dos vícios, da autosuficiência, grandes desejos de escuta, de interioridade, de ajuda, de busca de Deus.- É necessário reavivar a consciência da iniciativa divina em nós e em nossa vida apostólica. Lembrar que se estamos aqui e agora nestas circunstãncias concretas é porque fomos chamados, enviados desde o alto pelo Deus que me sustenta. Nossa ação de pregadores se apoia na força criadora e redentora de Deus, que ressuscitou a Jesus e infundiu em nosso coração o esplendor de seu rosto: “Porquanto Deus, que disse: Do meio das trevas brilhe a luz!, foi ele mesmo quem reluziu em nossos corações, para fazer brilhar o conhecimento da glória de Deus, que resplandece na face de Cristo” (2Cor 4,6).- Não só em nós essa necessidade de despertar o sentido de Deus é hoje urgente, mas inclusive o conteúdo da pregação deve ser hoje este. De fato, o homem de hoje, mais que dificuldades a respeito de temas concretos (os novíssimos, a sexualidade, a justiça e o tema social, o sofrimento, os temas morais, etc.), tem necessidade de ser colocado em contato com o mistério de Deus. A tarefa do pregador hoje, tanto pela palavra como mistagogicamente, é a e ajudar as pessoas a perceber a Deusna oração e na vida. - Diz Karl Rahner:* “Numa situação como a de hoje, onde impera a técnica racional, o ‘cientificismo’ da vida, a frivolidade do mundo, é mais importante que a ajuda Igreja consista em despertar continuamente, mistagogicamente, e de exercer o verdadeiro e fundamental ato de fé, em vez de se limitar a apresentar os diferentes conteúdos da fé” (La Iglesia para los demás, Herder, 1970, p. 10).* “O verdadeiro perigo, e portanto o inimigo número um da fé e da obra pastoral da Igreja, não é tanto a heresia dentro de um conceito fundamentalmente cristão (ou teísta) da existência – se aceita a Deus, mesmo que se erre em algum aspecto concreto – mas a apostasia, que nos distancia de uma relação explícita livremente assumida com o Deus vivo em Cristo e na Igreja”.* Devemos pregar que “temos a ver com esse Deus, que a ele rezamos, que vivemos sempre em estado de responsabilidade em sua presença, que nos encontramos a nós mesmos em sua revelação; anunciar continuamente tudo isso e guiar mistagogicamente aos outros nesta direção é a primeira e última missão evangelizadora da Igreja de hoje”.- João Paulo II, em sua Encíclica Dominum et vivificantem nº 56, sobre o Espírito Santo, diz:* “Infelizmente, a resistência ao Espírito Santo, que são Paulo acentua em sua dimensão interior e subjetiva como tensão, luta e rebelião que se produz no coração humano, encontra nas distintas épocas da história e, sobretudo, na época moderna, sua dimensão externa, concretizando-se como conteúdo da cultura e da civilização, como sistema filosófico, como ideologia, como programa de açãoe de formação dos comportamentos humanos. Encontra a sua máxima expressão no materialismo, tanto em sua forma teórica – como sistema de pensamento – como em sua forma prática – como método de leitura e de valorização dos fatos e também como correspondente programa de conduta”* “Na teoria e na prática, o materialismo exclui radicalmente a presença e a ação de Deus – que é Espírito – no mundo, e sobretudo no homem, por uma razão fundamental: não aceita sua existência, por tratar-se de um sistema ateu em sua essência e em seu programa”.- Segundo Martini, esse é um problema do homem ocidental. Ele cita o caso de Indonésia, de onde vem em recente visita. O sentido de Deus aí presente se expressa, por exemplo, em que todas as religiões são reconhecidas como oficiais, ou que no dia da Festa Pátria, após a palavra do presidente, se faça uma prece pública em que todos participam (enquanto isso, aqui querem abolir o crucifixo das repartições públicas).- O pregador não é alguém que oferece elementos doutrinais, psicológicos e sociais, ou mesmo teológicos; é, antes, alguém que transmite e convida a viver – mediante a palavra, o sacramento, a liturgia, a oração – a alegria da confiança no mistério de Cristo crucificado e ressuscitado (MEU: desta forma, o oferecimento de elementos psicológicos, sociológicos ou teológicos podem ser utilizados numa pregação como meio, mas nunca como fim).- O que deve caracterizar as nossas homilias é, antes de tudo, a boa notícia do Absoluto em quem podemos confiar e apoiar-nos, a quem devemos abandonar nossa vida.- A confiança em Deus, a obediência à sua Palavra e à sua Vontade é a atitude fundamental da vida de Jesus, como também de sua morte e ressurreição. A pregação deve convidar o homem a essa atitude fundamental da confiança e obediência, que em Jesus encontrou a sua expressão mais cabal: humildade, renúncia, paciência, doçura, misericórdia, pobreza, justiça, honradez.- Mais que ensinar a viver realidades pontuais, de forma separada (explicar o que é a castidade, a sinceridade, etc.), a pregação deve interpelar a essa totalidade da confiança no Mistério de Deus.- Deste modo, aquele que, por exemplo, prega sobre a justiça social, deve fazê-lo de uma maneira tal que esta apareça como um reflexo do mistério de Cristo crucificado, de seu amor infinito pela humanidade, da transcendência de Deus e de sua amável presença em todas as coisas.- Citar o caso de Madeleine Delbrel, pp. 45-46- É importante lembrar que a segurança do pregador não é algo consciente a nivel superficial. Santo Agostinho, por exemplo, quase nunca estava satisfeito com os seus sermões. São Carlos Borromeu, quando falava tremia e fazia o povo também tremer, não se sabe se por causa do ardor de seu coração e de se pregação ou se por causa do esforço que tinha que fazer para superar-se, já que era gago.- É importante lembrar também que a segurança surge em diálogo com os outros, nasce do intercambio e se nutre com ele. O interlocutor contribue verdadeiramente para despertar e orientar o meu pensamento e as minhas palavras. A sua simples presença, as suas reações que se manifestam principalmente através do olhar, me indicam o que preciso matizar, aprofundar, ter novas intuições.- Perguntemo-nos:- De que modo minha pregação reflete o mistério do Senhor em sua totalidade?- De que modo podem as pessoas perceber que, em cada uma das coisas que digo, estou falando de Deus, de seu amor infinito, de Jesus morto na cruz por nós?- E de que modo, ao falar de Deus e de seu mistério, estou falando também da justiça, da castidade, da renúncia, do sacrifício, da verdade, da sinceridade?