Nunca gostei da Quaresma, pois sempre pensei que a vida já é bastante difícil como para fazer mais sacrifícios que aqueles que a vida, por si mesma, nos traz. É preciso ser realistas: a nossa vida não é fácil. A cruz não é uma realidade incomum à nossa experiência cotidiana.
Por isso, a Quaresma, com as suas cinzas e os seus jejuns, nunca me apareceu ao menos interessante e, por suposto, nada atrativa. Nunca vi a necessidade de lembrar da nossa fraqueza humana e de refletir sobre ela, basta-me somente suportá-la. Acho que de um ponto vista meramente humano é um prejuízo legítimo. Ninguém gosta da própria cruz e, aparentemente, ninguém precisa gostar dela.
Existe, contudo, uma outra perspectiva que não podemos ignorar na nossa vida: o ponto de vista de Deus. As nossas cruzes são difíceis e indesejáveis, e desde um ponto de vista meramente humano, não pode ser de outro modo. Deus, porém, vê as coisas de outro modo. Quantas vezes levantamos os nossos brados ao Céu e reclamamos da vida, dos problemas que ela nos traz, das dificuldades que temos que enfrentar cada dia? Quantas vezes pensamos em Deus como um programador de videogames que se diverte em passar de fases, só que os caracteres deste RPG monstruoso somos nós? Todos estes pensamentos desde um posto de vista meramente humano poderiam até serem considerados legítimos. Outro, porém, é o olhar de Deus.
Tempos atrás lembrei de uma canção que no seu refrão recitava a seguinte frase: “e se Deus for um de nós” (If God is one of us). Realmente, as nossas cruzes são inexplicáveis e causam revolta, mas somente quando Deus permanece longe da nossa vida e nos trata como personagem de vídeo- game. Mas a história é outra. Podemos dizer que o refrão da canção contém um erro sintático existencial: está numa construção condicional e não afirmativa. A presença de Deus entre nós não é uma possibilidade, mas uma realidade histórica: “Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente. Mas esvaziou-se a si mesmo, e assumiu a condição de servo, tomando a semelhança humana. E, achado em figura de homem, humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz!” (Fil 2, 7-8). Deus se fez homem e padeceu tudo aquilo que nós homens padecemos na nossa dura vida.
A cruz é difícil, e não pode deixar de ser assim, mas só é insuportável e inumana quando a vemos desde o nosso egoísmo e não a partir dos olhos Daquele que pendeu nela primeiro, por amor a cada um de nós. Deus se fez um de nós, caminhou neste mundo e carregou sobre os Seus ombros uma cruz que é nossa. Como dizíamos, ninguém gosta da cruz, e talvez poderíamos pensar que ninguém a merece, sobretudo num mundo como o nosso, que perdeu o sentido do certo e do errado, do amor e do pecado. A nossa experiência, porém, é que não somos anjinhos que caminham neste mundo. Não somos maus, mas devemos reconhecer que falhamos e pecamos e que devemos reparar pelas nossas faltas. Não podemos esquecer que Cristo já carregou a cruz na nossa frente e que os Seus sofrimentos dão sentido e valor ao nosso sofrimento.
A cruz nunca vai ser uma perspectiva atraente, mas não a carregamos sozinhos. Deus caminha à nossa frente. Ele já carregou a Sua cruz por nós e pede que carreguemos o pequeno fardo que nos compete, pois Ele já os aliviou. Fugir da cruz não é uma perspectiva possível, precisaríamos deixar de ser humanos para poder escapar. O segredo não está em fugir, mas em converter a cruz em caminho de amor.
Vença o mal com o bem!
AUTORIA - Wilson Lazarotto, L.C.
FONTE - Valores – Escritório de Redação