O Papa não veste Prada

AUTORIA – Sandro Magister[1]
TRADUÇÃO LIVRE – Ammá MARIA ÂNGELA DE MELO NICOLLETI, NA
FONTE – www.es.catholic.net

"O Papa não veste Prada, mas sim, Cristo": esta é a peremptória conclusão de um artigo de L'Osservatore Romano, para defender as decisões de Bento XVI em matéria de vestuário litúrgico e não litúrgico. Um artigo curiosamente assinado por um quase homônimo da célebre casa de moda, Juan Manuel de Prada. Porém, ainda há mais no mesmo número de L'Osservatore. Há também uma entrevista com o mestre das celebrações litúrgicas pontifícias, Mons. Guido Marini, o qual, a propósito de uma nova configuração do pálio usado pelo Papa, responde às insistentes objeções contra algumas recentes decisões de Bento XVI em matéria litúrgica:

O moto próprio "Summorum Pontificum" que liberou o rito antigo da Missa.

A cruz colocada no centro do altar nas celebrações papais.

A Missa celebrada na Capela Sixtina sobre o antigo altar voltado para o afresco do Juízo.

A volta do uso do báculo pastoral em forma de cruz.

A comunhão dada na boca aos fiéis ajoelhados.

[1] SANDRO MAGISTER – Dados do autor, buscar no site www.chiesa.espresso.repubblica.

O MOTO PRÓPRIO "SUMMORUM PONTIFICUM"

Sobre o moto próprio "Summorum Pontificum", Marini disse que não sabe se Bento XVI celebrará, ele mesmo, em público, uma Missa conforme o rito antigo. E continua: "Quanto ao moto próprio citado, considerando-o com serena atenção e sem visões ideológicas, juntamente com a carta dirigida pelo Papa aos Bispos de todo o mundo para apresentá-lo[1], ressalta uma dupla intenção. Antes de tudo, a de agilizar a conquista de uma "reconciliação no seio da Igreja"; e, neste sentido, como foi dito, o moto próprio é um belíssimo ato de amor para com a unidade da Igreja. Em segundo lugar – e este é um dado que não se deve esquecer – seu objetivo é favorecer um recíproco enriquecimento entre as duas formas do rito romano, de tal modo que, por exemplo, na celebração segundo o missal de Paulo VI (que é a forma ordinária do rito romano), "poderá manifestar-se de modo mais forte de quanto não o é freqüentemente até agora, a sacralidade que atrai muitos ao costume antigo."

A CRUZ NO CENTRO DO ALTAR

Sobre a cruz colocada ao centro do altar, Marini diz: "Ela indica a centralidade do Crucificado na celebração eucarística e a orientação exata que toda a assembléia está chamada a ter durante a celebração eucarística: não se vê o objeto, mas sim aquEle que nasceu, morreu e ressuscitou por nós, o Salvador. Do Senhor vem a salvação, Ele é o Oriente, o Sol que nasce e ao Qual todos devemos dirigir o olhar, do Qual todos devemos acolher o dom da graça. A questão da orientação litúrgica na celebração eucarística e o modo também prático em que esta toma forma têm grande importância porque, com isso, é introduzido um dado fundamental que é, por sua vez, teológico e antropológico, eclesiológico e inerente à espiritualidade pessoal."

A MISSA NA CAPELA SIXTINA

Sobre a celebração no antigo altar voltado para o Juízo, na Capela Sixtina, Marini explica: "Nas circunstâncias nas quais a celebração ocorre segundo esta modalidade, não se trata tanto de dirigir as costas para os fiéis, mas, sobretudo de se orientar juntamente com os fiéis para o Senhor." Deste ponto de vista, "não se fecha a porta para a assembléia", mas "se abre a porta para a assembléia", conduzindo-a ao Senhor. Podem ocorrer circunstâncias particulares nas quais, por causa das condições artísticas do lugar sagrado e da singular beleza e harmonia, seja recomendável celebrar no altar

[1] Encontre-a no site www.vatican.va

antigo, onde, além disso, se conserva a exata orientação da celebração litúrgica. Isso não nos deveria surpreender: basta ir à basílica de São Pedro pela manhã e ver quantos sacerdotes celebram segundo o rito ordinário emanado da reforma litúrgica, porém sobre altares tradicionais e, pelos mesmos, orientados como o da Capela Sixtina."

O BÁCULO EM FORMA DE CRUZ

Sobre o uso do báculo pastoral em forma de cruz, Marini disse: "O báculo pastoral dourado em forma de cruz grega – que pertenceu ao beato Pio IX e usado pela primeira vez por Bento XVI na celebração de Domingo de Ramos deste ano – agora é usado constantemente pelo pontífice, que considerou substituir o de prata com o crucifixo em cima, introduzido por Paulo VI e usado também por João Paulo I, João Paulo II e por ele mesmo. Tal decisão não significa simplesmente uma volta ao antigo, mas que testemunha um crescimento na continuidade, um enraizar-se na tradição que permite proceder ordenadamente no caminho da história. Este báculo pastoral, denominado "férula"[1], corresponde efetivamente de modo mais fiel à forma do báculo papal típico da tradição romana, que sempre foi em forma de cruz sem crucifixo, pelo menos quando o báculo começou a ser usado pelos pontífices romanos."

A COMUNHÃO NA BOCA

Com relação à comunhão dada pelo Papa na boca aos fiéis ajoelhados – na recente visita a Santa Maria de Leuca e Brindisi – Marini afirma que se fará "prática habitual nas celebrações papais." E continua: "A respeito, é necessário não esquecer que a distribuição da comunhão na mão continua sendo, ainda hoje, do ponto de vista jurídico, um indulto à lei universal concedido pela Santa Sé àquelas Conferências Episcopais que o haviam solicitado. A modalidade adotada por Bento XVI tende a sublinhar a vigência da norma válida para toda a Igreja. Adicionalmente, se poderia, talvez, ver também uma preferência pelo uso de tal modalidade de distribuição que, sem tirar nada à outra, evidencia melhor a verdade da presença real na Eucaristia, ajuda à devoção dos fiéis, introduz com mais facilidade no sentido do mistério. Aspectos que, em nosso tempo, pastoralmente falando, é urgente sublinhar e recuperar."

"PRÉ-CONCILIAR" E "PÓS-CONCILIAR"

Em resumo, a quem acusa Bento XVI de querer "impor assim modelos pré-conciliares", Marini replica: "No que respeita aos termos como 'pré-conciliar' e 'pós-conciliar' utilizados por alguns, me parece

[1] Do latim Férula: cana, haste, varinha.

que pertencem a um linguajar já superado e, se são usados com a intenção de indicar uma descontinuidade no caminho da Igreja, considero estão equivocados e são típicos de visões ideológicas muito reducionistas. Há "coisas antigas e coisas novas" que pertencem ao tesouro da Igreja de sempre e que como tais devem ser consideradas. O sábio deve encontrar umas e outras em seu tesouro, sem se valer de outros critérios que não sejam os evangélicos e eclesiais. Nem tudo o que é novo é verdade, como, por outro lado, tão pouco o é tudo o que é antigo. A verdade perpassa o antigo e o novo e é a ela que devemos tender sem preconceitos. A Igreja vive segundo a lei da continuidade em virtude da qual tem consciência de um desenvolvimento enraizado na tradição. O que mais importa é que tudo concorra para que a celebração litúrgica seja de verdade a celebração do mistério sagrado, do Senhor crucificado e ressuscitado que se faz presente em Sua Igreja, atualizando novamente o mistério da salvação e chamando-nos, na lógica de uma autêntica e ativa participação, a compartilhar, até as últimas conseqüências, sua própria vida, que é vida de doação de amor ao Pai e aos irmãos, vida de santidade."

Está fora de dúvida que as posturas expressas pelo atual mestre das celebrações litúrgicas pontifícias refletem fielmente o pensamento de Bento XVI. Para se dar conta disso, basta voltar a ler, por exemplo, um livro publicado por Joseph Ratzinger em 2001: "Introdução ao espírito da Liturgia". Naquele livro, Ratzinger escrevia que a solução para tantos "absurdos" litúrgicos não está em mudar novamente tudo, porque "nada é mais prejudicial para a liturgia que fazer continuamente tudo de cor". Porém, a propósito da orientação da liturgia e da cruz ao centro do altar, mostrava ter idéias muito claras: "Antigamente, a direção para o oriente se achava em estreita relação com o 'sinal do Filho do Homem, com a cruz, que anuncia o regresso do Senhor'. O Oriente foi, portanto, muito cedo colocado em relação com o sinal da cruz. Não sendo possível voltarem-se todos juntos para o Oriente de maneira concreta, a cruz pode servir como o Oriente interior da fé. Ela deveria se encontrar ao centro do altar e ser o ponto ao qual dirigem o olhar tanto o sacerdote como a comunidade orante. Deste modo, seguimos a antiga exortação pronunciada ao início da Eucaristia: 'Conversi ad Dominum', 'Voltai-vos para o Senhor'. Olhamos juntos para aquEle cuja morte rompeu o véu do templo, para aquEle que está diante do Pai em favor nosso e nos abraça, para aquEle que faz de nós templos vivos.

Dentre os fenômenos verdadeiramente absurdos do nosso tempo, eu incluo o fato da cruz ser colocada num lado do altar para deixar que os fiéis possam ver livremente o sacerdote. Porém, a cruz, durante a Eucaristia, representa um incômodo? O sacerdote é mais importante que o Senhor? Este erro deveria ser corrigido o quanto antes possível, e isto pode ocorrer sem novas intervenções arquitetônicas. O Senhor é o ponto de referência. É Ele o Sol nascente da história. Pode se tratar tanto da cruz da paixão, que representa Jesus sofredor que Se deixa atravessar por nós, e de onde brotam sangue e água – a Eucaristia e o Batismo – como também uma cruz triunfal, que expressa a idéia do retorno de Jesus e chama a atenção sobre isso. Porque é Ele, de todo modo, o único Senhor: Cristo ontem, hoje e eternamente".

Desde então, Ratzinger não mudou nem uma letra destes seus juízos. Nem os cala.

Com efeito, em 22 de março passado, na Missa da vigília Pascal na basílica de São Pedro, Bento XVI concluiu sua homilia voltando a propor precisamente a exortação "Conversi ad Dominum". Assim: "Na Igreja antiga existia um costume: o bispo ou o sacerdote, depois da homilia, exortava os crentes, exclamando: 'Conversi ad Dominum'- 'Voltados agora para o Senhor. Isso significava, antes de tudo, que eles se voltavam para o Oriente, na direção do sol nascente como sinal do retorno de Cristo, a cujo encontro vamos à celebração da Eucaristia. Onde, por alguma razão, isso não era possível, dirigiam seu olhar para a imagem de Cristo na ábside ou na cruz, para se orientarem interiormente para o Senhor. Porque, definitivamente, tratava-se deste fato interior: da 'conversio', de dirigir a nossa alma para Jesus Cristo e, desse, modo, para o Deus vivente, para a luz verdadeira. A isto se unia também outra exclamação que ainda hoje, antes do Cânon, se dirige à comunidade dos crentes: "Sursum corda" – Levantemos o coração, fora do emaranhado das nossas preocupações, dos nossos desejos, das nossas angústias, da nossa distração. Levantai vossos corações, vossa interioridade. Com ambas as exclamações, se nos exorta de alguma maneira a renovarmos nosso Batismo: "Conversi ad Dominum" – sempre devemos nos afastar dos caminhos equivocados, nos quais tão a miúdo nos movemos com nosso pensamento e nossas obras. Sempre temos que nos dirigir a Ele, que é o Caminho, a Verdade e a Vida. Sempre temos de ser "convertidos", dirigir toda a vida para Deus. E sempre temos que deixar que nosso coração seja atraído pela força de gravidade que o atrai para baixo, e levantá-lo interiormente para o alto: na verdade e no amor. Nesta hora, damos graças ao Senhor, porque, em virtude da força da Sua palavra e dos santos Sacramentos, nos mostra o itinerário justo e atrai para o alto o nosso coração."

Ammá/AMMÁ
27 de julho de 2008