Espelhos

Muitos historiadores dizem que, na busca por enganar e seduzir os índios que habitavam na Terra de Santa Cruz, os exploradores portugueses valeram-se de diversas artimanhas.

Dentre elas, preponderou o hábito de presentear os nativos com objetos de baixo valor, do qual se destacavam espelhos, pedindo em troca as nossas riquezas naturais.

Vejamos que tudo é uma questão de ponto de vista: os índios não tinham idéia do grande valor do que deixavam ser levado, nem da “mixaria” que valia o que recebiam em troca. É claro, num dado momento o valor de uma e de outra coisa veio à tona, restado claro o baixíssimo valor dos espelhos, e a incomensurável fortuna que havia sido, de forma irreversível, pilhada...

Essa inspiração surgiu diante do Evangelho de segunda feira (Jo 10, 1-10), aonde Jesus nos alerta sobre aquele que veio “só para roubar, matar e destruir”. E porque não dizer, para enganar... E para nos “presentear com espelhos”...

Imaginamos, com base no que se vê nos museus, que esses espelhos deviam ser bem adornados, com belíssimas molduras, mas com uma mediana qualidade refletiva. As imagens que se viam através deles eram embaçadas, turvas e fora de foco, o que não permitia uma visualização perfeita do que era refletido. E esse é o ponto de partida para a nossa “reflexão”...

Atualmente, muito tem sido feito para desestabilizar as nossas famílias. Verdadeiros tesouros, comparam-se às nossas riquezas naturais do período colonial, sem preço mensurável... Ocorre que, lamentavelmente, muitos de nós tem trocado essas fortunas por espelhos... E se arrependido profundamente com o passar dos anos...

Não nos dirigimos somente aos casados, mas a todos que de qualquer forma tem trocado os seus tesouros, sejam eles quais forem, por um brinde qualquer...

Espelhos são assim: reluzem, brilham, seduzem, mas não possuem luz própria, apenas refletem. Podem ser usados para diversos fins: desde instrumentos cirúrgicos que salvam vidas, até aplicações em tetos de motéis, alimentando fantasias que conduzem à morte. Ou mesmo em retrovisores de automóveis que nos auxiliam, evitando acidentes, ou ainda em miras de armas de fogo, cuja finalidade conhecemos bem.

Não podemos nos esquecer das tradicionais casas de espelhos dos circos: gordos, podemos nos ver magros; altos, bem baixinhos; sozinhos, podemos nos enxergar dentre uma multidão de clones. O que se vê através dos espelhos nem sempre condizem com a realidade, mas com o que gostaríamos de ver, ainda que reflita uma imagem descompassada da verdade... Em resumo, os espelhos podem nos mostrar desde a mais dura realidade, até a mais confortável ilusão – depende da sua destinação.

No intuito de destruir famílias e caminhadas, o mal tem se valido de duas armas: a primeira delas, nos mostrado espelhos de baixa qualidade, que minoram a verdadeira beleza do que se encontra à nossa frente, e nos seduzem com um brilho qualquer. Trocamos verdadeiras riquezas por qualquer trocado, reproduzindo as mesmas reações dos nossos índios que, contam, agiam de forma inocente. A segunda delas, e não menos perigosa, coloca na nossa frente espelhos ultra-sensíveis, que captam a imagem mais precisa, com todos os nossos defeitos e deformidades, o que por muitas vezes nos leva ao desanimo e à falta de disposição para prosseguir.

De um jeito ou de outro, será que temos consciência dos tesouros que nos foram confiados? Será que temos conhecimento a respeito do grande valor da nossa família e da nossa caminhada, ou estamos cedendo a cortejos que nos dão a falsa impressão de que seremos mais felizes de outra forma? Afinal, temos defendido as nossas riquezas do mal, ou cedido a “presentes” que comparam-se a espelhos, sem valor, que num primeiro momento chamam a nossa atenção, mas transcorrido algum tempo nos faz cair na realidade, tomando consciência da grande “mancada” cometida?

Espelhos muito precisos fazem com que busquemos a perfeição no outro. Estranhamente, quem vê o cônjuge sob a ótica dessa sorte de espelhos, busca tudo aquilo que não consegue dar! Deseja que o outro seja perfeito, mesmo diante das suas muitas imperfeições... É claro que nunca conseguiremos ser perfeitos, o que faz com que não devamos buscar que os outros o sejam.

Noutro norte, por muitas outras vezes firmamos o nosso olhar em espelhos de baixa qualidade (fascinados, quem sabe, somente pelas suas molduras), o que faz com que vejamos somente defeitos, imagens distorcidas da realidade, que em nada condizem com o que de fato somos ou representamos... Não são poucos que trocaram os seus tesouros, frutos de uma vida inteira de plantio, por “espelhos” bem adornados, que refletem uma luz não tão radiante assim, e que trincaram logo após a troca, fazendo com que o entendimento da transação mal efetuada gerasse em nós um profundo desgosto.

Pessoal, cuidado com os espelhos que nos são presenteados... Nada nem ninguém pode se contrapor ao verdadeiro amor e perdão ensinados por Jesus, nosso Senhor. O que vem além das Suas palavras é mentira, é falsidade, é enganação, são “espelhos” de baixa qualidade, que nos permitirão ver o que desejamos ver, ou “espelhos” de altíssima qualidade, que refletirão com ímpar precisão pequenas rugas de expressão que em nada incomodam!

Por fim, faço minhas as palavras de Renato Russo, que disse numa de suas músicas, denominada “Índios”, a seguinte frase: “Nos deram espelhos, e vimos um mundo doente; tentei chorar e não consegui”.

Assim, antes que seja tarde demais, que tal “quebrarmos alguns espelhos”?

Fiquemos todos com Deus, que Ele nos guarde e inspire a todos!

AUTORIA – Alessandro Hauck
Membro da Diaconia da Família
Comunidade Católica Nova Aliança