Existem casos de homens e mulheres que possuem um carisma especial para pregar, para aconselhar as pessoas, para conhecer e transmitir a Deus e que nem sempre foram fundadores de uma congregação religiosa.
BREVE INTRODUÇÃO
No princípio do Terceiro Milênio parece bastante normal tratar de carismas. E sendo nosso objetivo o de despertar para o carisma, é importante saber exatamente o que significa este termo ou o que deseja significar. É necessário ter algumas noções claras sobre este conceito, se formos centrar nele a vida e a identidade consagrada.
Por carisma, desde muito, se conhece pela definição paulina de “graças especiais (conhecidas “carismas”) mediante as quais os fiéis ficam “preparados e dispostos para assumir vários compromissos ou ministérios que contribuem para renovar e construir ainda mais a Igreja” (LG 12: cf.AA 3). Espetaculares ou simples e humildes, os carisma são graças do Espírito Santo, que têm direta ou indiretamente uma utilidade eclesial; os carismas estão ordenados à edificação da Igreja, ao bem estar dos homens e às necessidades do mundo”.
Um carisma é, portanto, uma graça especial que o Espírito Santo deixa para o bem da Igreja. Não existe uma classificação de carismas. Sendo assim existem muitos tipos. Mas, os principais elementos que os compõem serão sempre dois:
1. Provêm do Espírito Santo e
2. Estão para a edificação da Igreja.
Desta definição, partem três grandes aplicações que convém conhecer para evitar confusões no momento de estudar os carismas dentro da vida consagrada:
1. O conceito de carisma como tal,
2. A concepção da vida consagrada como uma carisma para a Igreja e
3. O carisma específico de cada Instituto ou Congregação Religiosa.
Um carisma não está necessariamente conectado à fundação de uma Congregação Religiosa. Existem casos de homens e mulheres que possuem um carisma especial para pregar, aconselhar as pessoas, para conhecer e transmitir a Deus, mas que nem sempre foram fundadores de uma Congregação Religiosa. Por outro lado, a própria vida consagrada já é um dom do Espírito para o bem da Igreja: "A vida consagrada, enraizada profundamente nos exemplos e ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, é um dom de Deus Pai para sua Igreja por meio do Espírito". E, por último, é importante considerar o carisma específico de cada Congregação ou Instituto de vida consagrada, buscando centrar nossa atenção, no presente estudo, nesta última acepção do termo.
Daremos início fazendo uma breve revisão do que o Magistério escreve sobre o carisma de cada Instituto ou Congregação Religiosa, para passar mais adiante a uma análise do mencionado por alguns autores da atualidade. Ao final, em base a esta dupla pesquisa, nos arriscaremos a propor o que é o carisma e quais são seus elementos constitutivos.
REVISÃO DO MAGISTÉRIO
Ainda que o termo carisma não apareça nos documentos do Concílio Vaticano II, tudo indicava sua posterior aparição, dado que, no debate que precedeu à redação da Constituição Dogmática Lumen Gentium e do Decreto Perfectae Caritatis, já é possível observar o manejo do caráter carismático da vida consagrada.
Esta marca abrirá as possibilidades para uma futura pesquisa que deu, como resultado, uma ampla literatura, fruto do avanço da Teologia da Vida Consagrada, onde se trabalhou bastante o termo carisma sob diversas acepções.
O termo carisma veio a ser utilizado pela primeira vez em um documento do magistério no número 11 da Exortação Apostólica Evangelica Testificatio: "Só assim podereis despertar de novo os corações para a Verdade e para o Amor divino, segundo o carisma dos vossos Fundadores, suscitados por Deus na sua Igreja". A partir deste documento o magistério assume a terminologia paulina de carisma com diversas acepções: carisma da vida religiosa, carisma do fundador, carisma de fundador, carisma fundacional, carisma do Instituto, carisma originário, carisma institucional, carisma de uma família religiosa.
Será o documento Mutuae Relationes que definirá pela primeira vez o carisma: "O próprio carisma dos Fundadores (Evang. Nunt. 11) revela-se como uma experiência do Espírito, transmitida aos próprios discípulos a fim de ser por eles vivida, conservada e aprofundada e constantemente desenvolvida em sintonia com o Corpo de Cristo em perene crescimento. É por isso que a Igreja protege e apoia a índole própria dos diversos Institutos Religiosos (LG 44; cf. CD S; 35, 1; 35, 2; etc.). Essa índole própriacomporta outrossim um estilo peculiar de santificação e apostolado, que estabelece uma determinada tradição própria, a tal ponto que se podem convenientemente colher seus elementos objetivos. Por conseguinte, nesta hora de evolução cultural e de renovação eclesial, faz-se mister que a identidade de cada Instituto se conserve com tal segurança, que se possa evitar o perigo de uma situação não suficientemente definida, pela qual os Religiosos, sem a devida consideração do estilo peculiar de ação próprio da sua índole, se insiram na vida da Igreja de maneira vaga e ambígua". Desta definição irão sair muitos estudos e documentos posteriores do Magistério.
Tratando-se da contemplação, o documento mencionará como um carisma especial: "Os que são chamados à vida contemplativa especificamente são reconhecidos como um dos tesouros mais importantes da Igreja. Graças a um carisma especial, escolheram a melhor parte, isto é, a oração, o silêncio, a contemplação, o amor exclusivo a Deus e a dedicação total a seu serviço...".
O carisma, como dom do Espírito, também se reflete em obras concretas, precisamente nas obras do Instituto. Por essa razão um apostolado, uma obra levantada por uma Congregação não é indiferente para o carisma, como consigna o Magistério: "Existe a tentação de abandonar as obras estáveis, genuína expressão do carisma do Instituto, por outras que, aparentemente, são mais importantes e urgentes diante das necessidades sociais, mas que não são relevantes com a identidade do Instituto".
No mesmo documento, se destaca a importância do carisma para a formação das pessoas consagradas, sendo este uma espécie de mapa para não se perder na formação: "Esta constante configuração com Cristo se realiza de acordo com o carisma e as normas do Instituto ao qual pertence o religioso. Cada instituto tem seu próprio espírito, caráter, finalidade e tradição em concordância com eles, e assim é como crescem os religiosos com eles e sua união com Cristo".
Mais adiante, encontramos que o carisma particular de cada Instituto e a vida consagrada são uma mesma coisa: não existe concretamente uma religiosa «em si», à qual se incorpora, como um anexo subsidiário, o fim específico e o carisma particular de cada Instituto.” O carisma de cada Instituto forma parte da vida consagrada. E este mesmo documento considera que o carisma deve fazer parte integrante da formação da pessoa consagrada. "No programa de estudos, deve aparecer, de forma primordial: a teologia bíblica, dogmática, espiritual e pastoral, e, de modo particular: o aprofundamento doutrinal da vida consagrada e do carisma do Instituto".
A vida fraterna em comunidade encontra no carisma também sua razão de ser: "Viver em comunidade, na verdade, é viver todos juntos a vontade de Deus, segundo a orientação do dom carismático que o fundador recebeu de Deus e que transmitiu a seus discípulos e continuadores". Este mesmo documento, "Vida Fraterna em Comunidade", dedicará todo um número, o 70, para falar sobre a possibilidade de compartilhar o carisma com os leigos, tema do qual trataremos nos próximos artigos.
Podemos citar inclusive quais são as responsabilidades das pessoas consagradas para com o carisma, de acordo ao seguinte texto: "Cada Instituto tem uma responsabilidade primária com respeito à própria identidade. Com razão, o 'carisma dos fundadores (…) - experiência do Espírito transmitida aos próprios discípulos para ser por eles vivida, guardada, aprofundada e, constantemente, desenvolvida em sintonia com o Corpo de Cristo em perene crescimento' - é confiado a cada instituto como patrimônio original em benefício de toda a Igreja. Cultivar a própria identidade na 'fidelidade criativa' significa, afinal, confluir na vida e na missão do povo de Deus, dons e experiências que a enriquecem e, ao mesmo tempo, evitar que os religiosos 'se insiram na vida da Igreja de um modo vago e ambíguo' ".
João Paulo II, na Exortação Apostólica Redemptionis Donum, fala explicitamente do carisma como um dom, tanto para as pessoas consagradas como para a comunidade, e não duvida em afirmar que, nesse dom, encontram-se elementos válidos para viver a consagração. "Seria difícil descrever e até mesmo simplesmente enumerar as múltiplas maneiras diferentes pelas quais as pessoas consagradas põem em prática, mediante o apostolado, o seu amor para com a Igreja. Esse apostolado nasceu sempre daquele dom particular dos vossos Fundadores que, recebido de Deus e aprovado pela Igreja, se tornou um carisma para a inteira Comunidade. Tal dom divino corresponde às diversas necessidades da Igreja e do mundo, em cada época da história; e, seguidamente, prolonga-se e consolida-se na vida das comunidades religiosas como um dos elementos perduráveis da vida e do apostolado da mesma Igreja. Em cada um destes elementos, em todas as suas expressões — quer na da contemplação fecunda para o apostolado, quer na da atividade diretamente apostólica — acompanha-vos a bênção constante da Igreja; e, simultaneamente, a sua solicitude pastoral e materna, no que diz respeito à identidade da vossa vida espiritual e à retidão da vossa atuação, no seio da grande Comunidade universal das vocações e dos carismas de todo o Povo de Deus".
Chegamos, finalmente, à Exortação Apostólica pós-sinodal Vida Consagrada, da qual podemos dizer que o termo carisma aparece citado 72 vezes, sendo a parte mais citada a que faz referência à fidelidade ao carisma. Esta simples observação nos faz pensar na importância que se da à fidelidade ao dom inspirado ao Fundador que o levou a levar adiante a sua obra.
Não podemos deixar de mencionar o descrito pelo Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, quando, no número 799 da seguinte definição de carisma, que ao certo se trata de todo tipo de carisma, também pode aplicar-se ao carisma de uma Congregação Religiosa ou Instituto: “Os carisma são dons especiais do Espírito Santo concedidos a cada um para o bem dos homens, para as necessidades do mundo e, de modo particular, para a edificação da Igreja, a cujo Magistério compete o discernimento sobre eles".
Por último, Bento XVI selecionou o carisma como a norma suprema da vida consagrada, isto é, seguir a Cristo: "Não é possível conseguir um autêntico relançamento da vida consagrada senão tratando-se de uma existência plenamente evangélica, sem antepor nada ao único Amor, mas sim encontrando em Cristo e em Sua palavra a essência mais profunda de todo o carisma do fundador e de fundadora".
REVISÃO DE ALGUNS AUTORES
É muito variada e ampla a literatura que trata sobre o carisma. Em continuação, colocamos algumas citações que podem iluminar o desenvolvimento teológico deste termo e ajudar-nos a identificar com maior precisão o significado deste termo.
"Alguns autores diferenciam entre o carisma de fundação, dom que habilita a uma pessoa para iniciar uma nova fundação, e o carisma do fundador, que faz relação ao conteúdo do dom inerente a todo fundador para perceber, viver e mostrar na história, uma experiência particular do mistério de Cristo, segundo algumas características concretas que, depois, os identificarão. Na verdade o carisma de fundação e o carisma do fundador são duas vertentes de uma mesma realidade que se exigem mutuamente" (Jesús Álvarez Gómez, Carisma e História, Publicaciones Claretianas, Madrid, 2001, p.100-101).
"O carisma do fundador e da fundadora, uma vez compartilhado em seu caminho histórico, se converte no carisma do Instituto. Com esta definição, pode-se entender o desenvolvimento da virtualidade genética contida no carisma do fundador ou da fundadora" (Fabio Ciardi, In ascolto dolo Spirito, Città Nuova editrice, Roma, 1996, p. 58).
"O carisma do fundador é, portanto, para nós, aquele dom pessoal que, estando na origem da experiência da fundação, traça as linhas espirituais essenciais que caracterizam a própria identidade do Instituto, sua missão na Igreja, sua espiritualidade peculiar" (Giuseppe Buccellato, Carisma e Rinnovamento, Edizioni Dehoniane, Bologna, 2002, p. 28).
"Se por carisma dos membros do Instituto entende-se sua específica missão ou o fim pelo qual ingressaram os membros do Instituto, este carisma pode ser realmente comunicado pelo fundador que, com seu exemplo e sua vida, arrastam e convencem a outros a segui-lo" (Giancarlo Rocca, Il carisma do fondatore, Ancora editrice, Milano, 1998, p. 75).
"O carisma não se mantêm na história como se mantem um patrimônio de idéias, de valores, de experiências, somente porque seja possível contrastar com novas perspectivas e novas emergências. Mantem-se, sim, como uma “graça viva”, cuja direção pertence ao Espírito Santo: começa com um evento de graça que envolve o carismático em um ardente caminho para seguir a Cristo e pode permanecer na história somente como uma graça que sempre se renova" (Antonio Maria Sicari, Gli antichi carisma nella Chiesa, Jaca Book, Milano, 2002, p. 32 – 33).
Pier Giordano Cabra, em seu livro "Breve corso sulla Vita consacrata", relembra o que tem sido a Teologia do Carisma. Para este autor, cada Instituto têm em sua base um carisma para o benefício da Igreja e representa um dos pontos fundamentais da identidade de cada Instituto. Afirma ainda que o carisma funda também a precisa missão e a própria espiritualidade. Entretanto, para Cabra, existem poucos carismas que aglutinam a todos os carismas, como uma grande constelação onde cada carisma, como somente uma estrela, pode reconhecer-se em uma constelação. Sem retirar a importância de cada carisma específico, Cabra deseja por em alerta os Institutos religiosos para não super-valorizar o próprio carisma e assim poder enriquecer-se de todos os carismas, principalmente dos mais semelhantes. Continuando nesta mesma linha, em seu livro "Tempo di prova e di speranza", Cabra considera que, na atualidade, os carismas, mais ainda na Europa, devem traduzir-se em uma realidade prática, seguindo as indicações da Vita Consecrata, sobre a fidelidade criativa (Pier Giordano Cabra, Breve corso sulla Vita consacrata, Editrice Queriniana, Brescia, 2004, p. 170 – 172. Pier Giordano Cabra, Tempo di prova e di speranza, Ed. Ancora, Milano, 2005, p. 147- 150).
Fazendo referência a um dicionário da vida consagrada, anotamos o seguinte: “A expressão carisma designa, de modo geral, aquele dom do Espírito oferecido beneplacitamente por Deus a alguns fundadores, homens ou mulheres, para produzir neles determinadas capacidades que lhes permitem estarem aptos para iluminar novas comunidades de vida consagrada na Igreja".
Uma pesquisa digna de mencionar é a de Antonio Romano que em seu livro "I fondatori, profezia della storia", faz uma análise valiosíssima, diferenciando o carisma da fundação, o carisma do fundador, o carisma do ato de fundar e o carisma do Instituto. Deixando de lado qualquer particularidade, afinal de contas remetemos ao mesmo livro, é importante não obstante destacar, que estes momentos relacionados por Romano significam diferentes momentos do mesmo carisma. Podemos dizer que são explicações conaturais ao carisma. Ao tratar de um carisma de um Instituto religioso estamos falando necessariamente dos momentos pelos quais atravessou para chegar a constituir-se em um dom do Espírito ao serviço da Igreja.
O QUE É O CARISMA E QUAIS SÃO OS ELEMENTOS QUE O CONSTITUEM?
Partiremos de uma definição que serviu como base para todos os documentos do magistério que usam o termo carisma: "Os Institutos religiosos na Igreja são muitos e variados, cada um com sua índole própria (cfr. PC 7, 8, 9, 10); mas, todos contribuem com sua própria vocação a tal dom feito pelo Espírito, por meio de célebres homens e mulheres (cfr. LG 45; PC 1, 2) e aprovado de modo autêntico pela sagrada hierarquia. O mesmo carisma dos Fundadores revela-se como uma experiência do Espírito (Evang. Test. 11), transmitida aos próprios discípulos para ser por eles vivenciada, guardada, aprofundada e explicada constantemente em sintonia com o Corpo de Cristo em um perene crescimento. Por isso a Igreja defende e sustenta a índole própria dos diversos Institutos religiosos (LG 44; cfr. CD 33; 35, 1, 2, etc.). A índole própria leva consigo, além do mais, um estilo particular de santificação e apostolado que vai criando uma típica tradição cujos elementos objetivos podem ser facilmente identificados".
O magistério identifica o carisma, neste texto, com a índole própria de cada Instituto ou Congregação religiosa. Tratar de carisma é falar, portanto, das notas mais características e específicas que possui cada Congregação ou Instituto religioso para seguir mais de perto a Jesus Cristo. Utilizando um termo da genética moderna, podemos comparar ao carisma com o código genético da Congregação. Aí está escrito a identidade da Congregação, contendo nessa identidade, ainda que com a necessidade de uma posterior explicação, seu patrimônio espiritual, seu passado e seu futuro, visto que o carisma não é algo estático, mas sim, em contínuo desenvolvimento.
Definir a índole própria pode ser um trabalho árduo para cada Congregação ou Instituto religioso. Quando o Concílio Vaticano II pedia o voltar para a origem da vida consagrada e as fontes originárias de cada Congregação ou Instituto religioso, estava convidando precisamente à identificação dos elementos mais peculiares que configuravam a Congregação. Esta índole própria não provém, necessariamente, das obras de apostolado específicas da Congregação, nem do modo de ser ou de atuar dos membros, mas, sim, de uma experiência do Espírito que viveu o fundador ou a fundadora e que foi capaz de transmitir aos primeiros membros da Congregação ou Instituto religioso. As obras de apostolado, o estilo de vida, a forma de viver os conselhos evangélicos são expressões concretas da experiência do Espírito. "As diversas formas de viver os conselhos evangélicos são, com efeito, expressão e fruto dos dons espirituais recebidos pelos fundadores e fundadoras e, enquanto tais, constituem uma experiência do Espírito, transmitida aos próprios discípulos para ser por eles vivenciada, guardada, aprofundada e explicada constantemente em sintonia com o Corpo de Cristo em um perene crescimento". Portanto, podemos afirmar que, "no carisma está constituído não somente a finalidade específica do Instituto, mas sim a conformação espiritual, humana e social da pessoa consagrada".
A experiência do Espírito é um dos pontos característicos ou dos elementos mais importantes que constituem o carisma. "As notas características de um carisma autêntico são as seguintes:
a) Procedência singular do Espírito, certamente diferente, ainda que não esteja separada dos dotes pessoais de quem guia e modera;
b) Uma profunda preocupação por configurar-se com Cristo, testemunhando algum dos aspectos de seu mistério;
c) Um amor frutífero à Igreja que rejeite tudo o que nela possa ser causa de discórdia".
Deus permite ao fundador ou a fundadora uma provação muito forte de alguma necessidade em seu mundo, um contraste entre os planos de Deus e a verdadeira realidade. Para enfrentar esta realidade, Deus outorga a graça ao fundador ou à fundadora de realizar uma leitura do evangelho de um modo novo, de tal maneira que a realidade surge iluminada com uma nova luz, uma nova interpretação, uma experiência do Espírito que já não está circunscrita às condições de espaço e tempo onde nasceu, mas que, como criatura do Espírito, se expande a todos os tempos e lugares. Desta forma, nasce a experiência do Espírito do fundador, como um dom de Deus para a Igreja, dom que é possível compartilhar e ser trabalhado por muitas outras pessoas, ao longo do espaço e do tempo. É este Espírito, através do fundador ou da fundadora. Para enfrentar a necessidade que Deus lhe permitiu experimentar, o fundador ou a fundadora, sob a experiência do Espírito, centra a sua atenção em algum aspecto específico da figura de Cristo, como o meio mais idôneo, sugerido pelo Espírito, para plasmar tal necessidade. Não estão excluídos outros meios, ou, expressando de maneira mais clara: todos os demais meios dos quais possa aproveitar o fundador ou a fundadora nascem da grande necessidade que experimenta ao sair do encontro da necessidade através deste específico aspecto da personalidade de Cristo, que o Espírito lhe sugeriu. Para o fundador ou a fundadora, somente Cristo pode aliviar a necessidade que deu origem a sua obra. Sua vida estará dedicada a configurar-se o mais que seja possível com este específico aspecto de Cristo que já provou.
Um último aspecto do carisma é o de saber inserir-se na Igreja. O fundador ou a fundadora aceitaram seguir o caminho que o Espírito lhe indicou em sua experiência inicial, não para fazer um caminho separado da Igreja, mas, sim, para ajudar a Igreja a cumprir com sua missão.
Os carismas só podem ser entendidos e justificados na Igreja, para a Igreja e a partir da Igreja. Desta maneira é possível entender também o carisma como "o dom particular da graça divina operado no que crê, por parte do Espírito Santo, para a utilidade comum da Igreja". Conceito que, aplicado à vida consagrada, João Paulo II define da seguinte maneira: "É difícil descrever, mais ainda classificar, de quais modos tão variados as pessoas consagradas realizam, através do apostolado, seu amor pela Igreja. Este amor sempre nasce daquele dom particular de vossos Fundadores, que, recebido de Deus e aprovado pela Igreja, conseguiram ser um carisma para toda a comunidade. Esse dom corresponde às diversas necessidades da Igreja e do mundo em cada momento da história, e, ao mesmo tempo, se prolonga e consolida na vida das comunidades religiosas como um dos elementos duradouros da vida e do apostolado da Igreja".
Acreditamos, portanto, que não convém diferenciar os termos entre carisma do fundador, carisma de fundar, carisma de fundação, carisma do Instituto. Dissemos que são passos conaturais para que se realize o carisma. Centramo-nos no carisma como a experiência do Espírito que Deus concede ao Fundador para o bem da Igreja, englobando nesta definição todos os passos que sucederam para dar luz a este dom.
Bibliografia – As notas bibliográficas não estão traduzidas para a língua portuguesa.
1. Catecismo da Igreja Católica, Asociación de Editores do Catecismo, nn. 798 e 799.
2. Pier Giordano Cabra, em sua obra Tempo di prova e di speranza, Ed. Ancora, Milano, 2005, p. 147- 150, de alguma maneira tenta fazer uma classificação dos carismas.
3. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vida Consecrata, 25.3.1996, n. 1.
4. “Reverte em bem da Igreja que os Institutos mantenham a sua índole e função particular; por isso, sejam fielmente aceites e guardados o espírito e as intenções dos fundadores bem como as sãs tradições, que constituem o património de cada Instituto.” Concilio Vaticano II, Decreto Perfectae Caritatis, 28.10.1965, n. 2b.
5. Paulo VI, Exortação Apostólica Evangelica Testitificatio, 26.6.1971, n. 11.
6. “A definição paulina de carisma expressa um dom particular da graça divina operando no que crêe por parte do Espírito Santo para a utilidade comum da Igreja. Trata-se de um neologisma criado provavelmente do próprio São Paulo que utiliza 16 vezes em suas cartas. É importante descatar que, não obstante a utilização do termo possa considerar-se relativamente recente, a realidade profunda que esta definição expressa pode ser estimada como um constante patrimônio da tradição eclesial.” Giuseppe Buccellato, Carisma e Rinnovamento, Eizioni Dehoniane, Bologna, 2002, p. 15.
7. Sagrada Congregação para os religiosos e institutos seculares, Mutua relationes, 14.5.1978, n. 11.
8. Sagrada Congregação para os religiosos e institutos seculares,, A dimensão contemplativa da vida religiosa, março 1980, n. 22.
9. Sagrada Congregação para os religiosos e institutos seculares, Elementos essenciais da doutrina da Igrejasobre a vida religiosa, 31.5.1983, n. 27.
10. Ibidem, n. 46.
11. Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, Orientações sobre a formação nos institutos religiosos, 2.2.1990, n. 17.
12. Ibidem, n. 61.
13. Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, A vida fraterna em comunidade, 2.2.1994 n. 45.
14. Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, A colaboração entre Institutos para a formação, 8.12.1988, n.7.
15. João Paulo II, Exortação apostólica Redemptionis donum, 25.3.1984, n.15.
16. Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, Asociación de Editores do Catecismo, Madrid, 2005, p. 68 – 69.
17. ento XVI, Mensagem à Sessão Plenária da Congregação para os Institutos de vida consagrada e as Sociedades de vida apostólica, 27.9.2005.
18. Antonio Romano, Carisma, em Dicionário Teológico da vida consagrada, Publicaciones Claretianas, Madrid, 2000, p. 151.
19. Antonio Romano, I fondatori, profezia dola storia, Editrice Ancora, Milano, 1989.
20. Sagrada Congregação para os religiosos e institutos seculares,Critérios pastorais sobre a relação entre bispos e religiosos na Igreja, 14.5.1978, n. 11.
21. A segunda parte da obra de Fabio Ciardi, In ascolto dolo Spirito, Città Nuova editrice, Roma, 1996, relata a história e as fatigas de várias congregações para encontrar sua própria índole, até chegar a individualizar o carisma específico de cada um deles.
22. João Paulo II, Exortação Apostólica Pós-Sinodal Vida Consecrata, 25.3.1996, n. 48.
23. Amedeo Cencini, Vita consacrata: itinerario formativo lungo la via de Emmaus, Edizioni San Paolo, Milano 1994.
24. Sagrada Congregação para os religiosos e institutos seculares, Critérios pastorais sobre a relação entre bispos e religiosos na Igreja, 14.5.1978, n. 51.
25. Aqui radica uma das principais diferenças entre apostolado e voluntariado social. Giuseppe Buccellato, Carisma e rinnovamento. Rifondazione dola vita consacrata e carisma do fondatore, EDB, Bologna, 2002, pag. 15.
26. João Paulo II, Exortação Apostólica Redemptionis donum, 25.3.1984, n. 15.
AUTORIA - Germán Sánchez Griese
FONTE – www.es.catholic.net